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    Diziam que éramos uma start-upizinha tupiniquim, diz fundador da 99

    FILIPE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    09/01/2018 02h00

    Karime Xavier/Folhapress
    SÃO PAULO / SÃO PAULO / BRASIL -17 /09/14 - :00h - Paulo Veras fundou a Telas, uma empresa de tecnologia que enfrentou o estouro da bolha da internet nos anos 2000 e continuou empreendendo em start ups digitais. Hoje, é dono da 99 Taxis.. ( Foto: Karime Xavier / Folhapress). ***EXCLUSIVO***NEGÓCIOS
    Paulo Veras, fundador do aplicativo 99Taxis

    Paulo Veras, 45, fundador da 99, diz ter cansado de ouvir que sua empresa não tinha futuro após a Uber chegar ao Brasil, em 2014.

    Sua companhia, ao contrário, concretizou na semana passada movimento que a torna emblemática para o mercado de start-ups brasileiro: foi vendida para a chinesa Didi Chuxing valor que a coloca como o primeiro "unicórnio" brasileiro (apelido para start-ups que valem mais de US$ 1 bilhão).

    Em entrevista por telefone, Veras conta que a menor quantidade de investimentos disponíveis para empresas brasileiras que competem com companhias globais foi seu maior desafio para chegar ao sucesso.

    Veras diz que a 99 sofreu por ter seguido dentro das regras no momento em que a Uber chegou ao país e o serviço de corridas com motoristas particulares via apps não era regulamentado.

    A companhia só lançaria o serviço 99Pop, concorrente direto da Uber, em agosto de 2016, após regulamentação da Prefeitura de São Paulo.

    Sem ignorar a importância de oferecer preços baixos no segmento, Veras atribui o retorno dos passageiros ao serviço à qualidade da marca criada e à fidelidade da empresa a seus valores.

    *

    Folha - Por que decidiu vender a empresa?

    Paulo Veras - O mercado ficou muito dependente de capital. O volume de investimentos levantados pelas empresas do setor em todo o mundo aumentou muito. O motor de crescimento passou a ser investimento para atrair passageiros e motoristas. Isso é muito diferente do que quando começamos. Era preciso pouco dinheiro, era possível crescer muito rápido com indicação, boca a boca.

    Seria impossível sobreviver sem a venda?

    Seria um risco. As captações que fizemos foram duras, demoradas. Sempre sofremos muito mais do que os concorrentes para levantar dinheiro. Vários investidores disseram: "Você, uma 'start-upizinha tupiniquim', quer dinheiro para brigar com a Uber?". Para a Didi, isso não será um problema.

    O que dificultava para vocês?

    Em 2017, levantamos US$ 200 milhões. Foi a maior captação de start-up de todo o Brasil. E, ainda assim, uma rodada pequena se comparada com o que os concorrentes levantaram. Esse tipo de capital nunca existiu para o Brasil.

    Como ocorreu a aproximação com a Didi?

    Fomos atrás. O Brasil não estava no radar deles. A ideia era abrir canal e começar a conversar para trocar experiências. Sabíamos que, para brigar com a Uber, precisaríamos de um parceiro de peso.
    Quando eles começaram a ver o que acontecia no Brasil, passaram a se interessar pelo mercado. A própria Uber passou a anunciar que as três maiores cidades para eles são São Paulo, Cidade do México e Rio de Janeiro.

    E qual foi o impacto da chegada da Uber ao Brasil?

    Estávamos só no táxi, foi um período muito difícil. Até lançarmos o 99Pop, não tínhamos uma categoria para concorrer com eles. Cobrávamos do poder público que regulamentasse o transporte particular ou o coibisse.

    E não se fazia nem uma coisa nem outra. Era algo que chateava. Seguíamos as regras, éramos brasileiros, e as pessoas achavam mais bacana o negócio que não seguia e aquilo virava uma coqueluche. Nós fazíamos um trabalho de anos para permitir a entrada daquele segmento, jogando de acordo com a regra do jogo. Fomos punidos por seguir a lei. Algo triste que acontece no Brasil.

    Cogitaram fazer como a Uber?

    Sim, mas preferimos não fazer isso. Em toda nossa história, não pisamos fora da linha nenhuma vez. Fomos muito caxias, fizemos tudo certinho.

    E como foi possível bater de frente com ela?

    Muita gente preferia a 99 como empresa, por seus valores, forma de fazer. Mas, ao mesmo tempo, queriam uma alternativa mais barata de transporte. Quando nós só oferecíamos táxis pela tarifa cheia, perdíamos clientes em razão de as pessoas estarem usando um serviço
    25% mais barato da Uber.

    No fim de 2016, trabalhamos em duas frentes. Lançamos o Pop e também a opção de os taxistas darem 30% de desconto em relação ao taxímetro, depois de checar com as prefeituras se isso era legal.

    Competindo em preço, conseguimos mudar o jogo, pois tínhamos uma reputação boa e um aplicativo bom.

    Como administrar, ao mesmo tempo, taxistas e motoristas particulares?

    O lançamento do Pop foi bastante importante e crítico. Fizemos com muita transparência, explicamos para as lideranças dos taxistas que, em países onde houve a transição, isso não foi ruim para eles. Incluindo a categoria, viriam mais passageiros para a plataforma e aumentaria a busca por serviços de táxi.

    E o que esperávamos aconteceu. Em 2017, aumentou o número de corridas de táxi.

    Quando empresas brasileiras vão passar a comprar start-ups no exterior?

    Ainda estamos muito longe disso. Na China, hoje, você acessa capital muito facilmente. No Brasil, é todo o problema que temos. Existem bons empreendedores. Mas, quando a empresa chega a determinado patamar, não encontra mais recursos.

    Que outro desafio enfrentam empreendedores brasileiros?

    Poucos têm ambição global. Muitas vezes, eles pensam que ter algo que se destaque localmente é suficiente. Na América Latina, por outro lado, todos começam querendo atacar o mercado brasileiro, pois nosso mercado é muito maior do que o deles.

    Analistas consideram que trabalhar sem tarifas para motoristas no início permitiu que o app se destacasse entre os outros. Concorda?

    Não ter cobrado foi importante, mas não foi a única questão. Acho que tínhamos produto muito melhor do que a Easy Táxi, nossa principal concorrente nos primeiros anos.

    A maior parte das pessoas começou a usar a 99 depois de ter usado a Easy Táxi. Eles tiveram muito mais investimentos do que nós.

    Entravam por eles, depois testavam a 99 e ficavam com a gente.

    Outra diferença é que tínhamos um time melhor. A 99 tinha mais alma, foi fundada por empreendedores.

    A Easy foi feita por um grupo alemão chamado Rocket Internet, que cria uma empresa atrás da outra, as pessoas vão sempre entrando e saindo. É mais difícil ter aquela alma empreendedora, é uma relação quase de emprego.

    Por isso, naquela época de vacas magras, lutamos muito mais bravamente e ganhamos o jogo mesmo assim.

    Novamente fala de disputa em que se manteve mesmo com menos recursos. O dinheiro não é o mais importante para o empreendedor?

    Se fosse pelo dinheiro, teríamos desistido várias vezes no meio do caminho. Em 2015, quando fechamos uma rodada com o fundo americano Tiger Global, a Easy tinha levantado US$ 77 milhões. Nossa soma não chegava a US$ 5 milhões.

    Você está no mercado de empreendedorismo digital desde o início da internet. Por que essa opção?

    É uma oportunidade incrível de criar o futuro. É uma coisa meio mágica. Comecei a empreender quando a internet estava indo para o consumidor final. Tinha visão clara do que a internet poderia trazer para a vida das pessoas.

    Ter a chance de ajudar a construir isso é uma coisa incrível. É a coisa que mais gosto de fazer. Gosto de olhar para frente, adoro tecnologia. Uso de tudo. É incrível como ela facilita a vida das pessoas. E você precisa de empreendedores para fazer essa ponte entre o mundo atual e o do futuro.

    Tem algumas revoluções que vamos passar na próxima década. Na Revolução Industrial, passamos por substituição do trabalho humano pelo trabalho das máquinas. A próxima será a substituição da inteligência humana pela das máquinas. Isso, no Brasil ainda não começou. Tem muitas oportunidade para trazer melhorias de qualidade vida.

    A qual delas você irá se dedicar?

    Estou olhando bastante coisa. O desafio é decidir. Talvez liderar uma empresa do zero não, porque é algo muito difícil. Posso pegar inclusive mais de um negócio mais maduro ao mesmo tempo.

    Nos primeiros um, dois anos, você trabalha muito e vê poucos resultados, principalmente nesse modelo marketplace (no caso, conexão de prestadores de serviço e clientes).

    É verdade que você desconfiou que a 99 poderia dar certo quando seus sócios apresentaram a ideia?

    Nunca duvidei de que a mudança iria acontecer. Falei para eles que o futuro do transporte seria daquela maneira. Mas sabia que seria difícil porque entrariam muitos concorrentes.

    Trabalhei antes da 99 com compras coletivas, mercado em que entraram 2.000 concorrentes e todos se espatifaram.

    A dificuldade não era imaginar que esse modelo poderia dar certo, era imaginar como poderíamos ganhar o jogo com menos dinheiro, pouca gente etc.

    Como empreendedores que entram em disputas tão difíceis conseguem se manter?

    É preciso montar um time excepcional, porque ninguém faz nada sozinho.

    O que é uma pessoa excepcional?

    Aquela que coloca o projeto em primeiro lugar, muito antes do interesse pessoal. Você não precisa cobrá-la para que vista a camisa.

    Tivemos momento emblemático em 2016 quando estava acabando o caixa da empresa e ela dava prejuízo. Falei para todos: "Temos três meses para virar o jogo".

    Naquele momento, a Uber ligava para todos da nossa equipe fazendo proposta de emprego podendo ganhar mais. Mesmo sabendo que a 99 poderia quebrar dali a três meses, ninguém saiu para ganhar mais e conseguimos mudar a situação.

    Qual o sonho que difundia dentro da 99?

    Revolucionar a mobilidade urbana no Brasil. E outra parte super importante é fazer isso com bons valores. Com isso, você engaja o time de forma diferente, não só na tarefa, mas na forma de fazer.

    *

    RAIO-X

    Formação: Graduado em engenharia mecatrônica pela USP, tem MBA pela escola de negócios francesa Insead

    Atuação: Desenvolve negócios ligados à internet desde 1995. Atuou em áreas como criação de sites, guias locais e compras coletivas. Foi diretor para o Brasil da ONG de fomento ao empreendedorismo Endeavor entre 2005 e 2008. Criou a 99 em 2012

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