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    Evangélico vira alvo de consultores do mercado erótico; veja vídeo

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    GABRIEL CABRAL
    DE SÃO PAULO

    05/12/2014 02h47

    É que nem ir ao restaurante, compara a publicitária Paula Aguiar sempre que se vê diante de um tipo específico de cliente. "A sobremesa não é necessária, mas com certeza é gostoso quando tem. É assim que eu penso dos produtos eróticos. Eles são apenas saborosas melhorias."

    E evangélicos têm pedido a conta sem deixar o lado doce da vida de fora. Ao menos é a expectativa de Paula, que lançou no domingo (30) o e-book "Guia Gospel para Sexshops".

    O livro dá dicas de como o mercado do sexo pode se adaptar para acolher essa clientela fiel. A começar pela oferta de produtos, que precisa ser cuidadosa para não ferir os brios do comprador em potencial.

    Por exemplo: é bom deixar claro que o lubrificante à base de água não serve só pra sexo anal. "Deve-se explicar que esse produto na verdade é indicado para secura vaginal."

    O retardator de ejaculação "ajuda o homem a elevar a autoestima". Já a musse efervescente é "indispensável na hora de surpreender a pessoa amada".

    Em contrapartida, há apetrechos que só se deve colocar na mesa caso o evangélico peça por ele.

    Caso do gel de sexo anal, pois "a grande maioria da comunidade evangélica não pratica e vê isso como uma forma pecadora e suja de obter prazer".

    Gel comestível de sexo oral é legal, mas a iniciativa deve partir do cliente, segundo Paula. "Algumas pessoas às vezes pedem canetas comestíveis para brincar de escrever no corpo e podem usar de outra forma."

    Lingerie e fantasias são outro tabu. "Quando o homem evangélico entra na loja e é jovem, adora uma fantasia e uma lingerie ousada. Já a mulher gosta, mas fica muito receosa. Então, apenas na terceira visita acaba adquirindo, depois de conversar com seu esposo e eles entrarem num acordo."

    SUSTO

    "Próteses!", responde o português João Ribeiro, 38, com forte sotaque do país natal, sobre o que mais lhe assustou em sua estreia numa sex shop.

    "Pra quem entra a primeira vez é muito pra rir", emenda sua mulher, a brasileira Lídia Ribeiro, 30.

    Casados há seis anos, membros da Congregação Cristã, João e Lídia têm um acordo: nunca saem de casa sem combinar um detalhe da roupa. No sábado (29), era o azul-piscina no lacinho da blusa dela e na gravata dele.

    A parceria se estendeu à labuta: hoje, os dois trabalham juntos como "consultores de casais". Significa: vendem produtos eróticos para "gente como a gente" (outros evangélicos).

    O casal transita à vontade num congresso para o mercado onde um go-go boy seminu oferecia sorvete com "calda erógena" na boca da mulherada (sabores menta, chocolate e morango), enquanto um colega vestido de deus do Olimpo anunciava as maravilhas do "Beijo Grego" (gel que promete "choques estimulantes").

    No hotel do evento, próximo à rua Augusta, no centro de São Paulo, João conta que entrou no mercado após conhecer amigos que se separaram "por falta de apoio de alguém especializado".

    Muitos evangélicos só transam após o casamento -e nem sempre a coisa engata de primeira. O erotismo não é necessariamente um pecado e pode revolucionar a vida a dois, diz o português. "Mas o mercado era muito vulgar."

    Decidiu então que negócio podia, sim, ser sinônimo de prazer. Passou a revender produtos eróticos, sobretudo géis e velas perfumadas. Lídia foi junto. "Acho que foi um caminho que Deus abriu na nossa vida", diz o português.

    Se vale tudo entre quatro paredes? Quase, segundo João. Pode pegar mal, por exemplo, ter lingerie vermelha na bolsa de produtos: muitos evangélicos associam a cor a "à umbanda, às pombas-giras".

    Com a experiência prática, João e Lídia ajudaram Paula Aguiar a escrever o guia gospel.

    Com mais dois coautores, o trio desenvolveu a máxima do "consultor de casal" (como o vendedor é chamado) que quer se aventurar entre evangélicos: jamais "imponha suas vontades ao outro".

    Ele pode achar supernatural um vibrador em formato de Pernalonga, mas se tirar esse coelho da cartola poderá assustar para sempre seu cliente.

    E ninguém quer isso, especialmente após um ano de vendas chochas. "Em 2014, tivemos o pior Dia dos Namorados da década, por causa da Copa, da eleição e da transição da economia brasileira", diz Paula, autora de títulos como "Kama Sutra: Guia Prático de Posições - Totalmente Ilustrado" e "O Dicionário do Sexo".

    Diante da crise, é preciso se abrir para novos públicos. Ela cita uma pesquisa divulgada em janeiro pela Durex Global Sex Survey e apresentada pela psiquiatra Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da USP.

    Com 1.004 entrevistados entre 18 e 65 anos no Brasil, o levantamento apontou que 17% dos brasileiros já consumiram produtos eróticos, enquanto a média global é de 22%.

    Se quiser subir a temperatura e a estatística, Paula é categórica: pouco sutil, o mercado tem que aprender que não é assim que a banda evangélica toca.

    Em vez de pornografia e cama redonda, por que não romance? No e-book, ela instrui sobre como deve ser a decoração do quarto do casal. "Inclua um fio de pérolas como sinal de pureza e resistência do amor." Que o primeiro a entrar apague a luz.

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