Em comemoração aos 20 anos da queda do Muro de Berlim e a consequente unificação da Alemanha, a editora Record lança o livro "A Queda do Muro", dos jornalistas Olivier Guez e Jean Marc Gonin.
Entre outros acontecimentos históricos, os autores narram o momento exato em que o porta-voz do partido comunista, Günter Schabowski, anuncia equivocadamente que os alemães não seriam mais obrigados a deixar a RDA --antiga República Democrática da Alemanha -- transitando por outro país, e que poderiam sair pelo muro. Recém-chegado de viagem, Schabowski havia sido encarregado de anunciar novas medidas sobre concessão de vistos para atravessar o Muro.
Baseados em memórias públicas, documentos históricos e depoimentos privados, os jornalistas recriam a atmosfera berlinense da época, descrevendo os detalhes que antecederam o dia histórico. A obra é dividida em "A Revolução de Outubro" (primeira parte) e "Abaixo o Muro!" (segunda parte).
Leia abaixo um trecho de "A Queda do Muro" que retrata o que aconteceu no dia 9 de novembro de 1989, há exatos 20 anos:
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Divulgação |
"A Queda do Muro" celebra os 20 anos da queda do muro de Berlim |
"Berlim, quinta-feira, 9 de novembro de 1989
Às 9 horas, quatro homens se acham no gabinete 509 do Ministério das Relações Exteriores: um general e um coronel da polícia, que dirigem o departamento encarregado dos passaportes e do controle dos cidadãos, enfrentam dois coronéis da Stasi, o chefe do setor encarregado da vigilância da Volkspolizei e o do setor jurídico. Suas instruções são claras: redigir um texto que permita às pessoas emigrarem livremente da RDA.
De saída, o coronel Gerhard Lauter, do Ministério do Interior, explica a seus três colegas que o objetivo daquela reunião é absurdo:
- Nadamos em plena esquizofrenia - diz. - Vamos discriminar os camaradas que querem simplesmente visitar uma velha tia em Hamburgo e depois voltar para casa, em benefício dos que pretendem partir para sempre!
Tanto na Volkspolizei quanto na Stasi, todos os relatórios vão no mesmo sentido: os alemães orientais, em sua esmagadora maioria, exigem poder viajar, não emigrar. Mas se não acederem às suas demandas, então irão querer viver na República Federal. No gabinete 509, todos concordam acerca do risco político que a RDA corre ao promulgar um decreto que só responderia parcialmente ao problema. Por conseguinte, crime de lesa-Partido, os quatro homens autorizam-se a exceder o mandato confiado pelo Politburo. Aferram-se a um texto que atenua tanto as condições de uma partida definitiva, quanto as de uma estadia temporária no estrangeiro.
Por prudência e diplomacia administrativa, mantêm todavia o título imposto pela hierarquia: "Proposta de decisão visando a modificar as condições da partida definitiva de cidadãos da RDA para a RFA, via Tchecoslováquia". Mas, desde as primeiras linhas, o projeto desvia de seu título: "As solicitações para viagens privadas ao estrangeiro podem ser depositadas sem condições prévias - motivo do deslocamento ou laços familiares. As autorizações serão emitidas num prazo curto. Os vetos só ocorrerão em caso excepcionais."
Conscientes do alcance dessas frases, os quatro apparatchiks recomendam com insistência que a agência de notícias oficial ADN só passe adiante as informações no dia 10 de novembro às 4 horas da manhã, a fim de que os serviços competentes da polícia e da Stasi possam se preparar para a corrida aos guichês que esse decreto não deixará de
provocar.
Pouco antes do meio-dia, o motorista do coronel Lauter leva o projeto de texto à sede do Comitê Central, cuja plenária Egon Krenz preside há dois dias. No fim da sessão, entrega o documento ao secretário-geral.
A pausa para o almoço começa meio-dia em ponto. Membros do Politburo, em sua maioria recém-nomeados para a cúpula do Estado, divertem-se. Egon Krenz chama os que ainda se encontram ao alcance de sua voz e os conduz para outra sala. Günter Schabowski está ausente: encarregado desde a véspera das relações com a imprensa, passa a maior parte do tempo conversando com jornalistas e dando entrevistas.
Na véspera, o secretário-geral já fez seus novos colegas do Politburo engolirem um grande sapo: a legalização do Novo Fórum. Passaram solenemente em branco as pressões de Bonn - que entretanto recomendaram essa decisão -, e ele se justificou ao evocar os conselhos fraternos e abalizados de Mikhail Gorbatchev durante seu tête-à-tête moscovita. Mais um pecado por omissão...
Dessa vez, Krenz começa expondo aos novatos os protestos dos camaradas tchecos. Emenda rapidamente com a leitura do anteprojeto. Na antevéspera, a versão redigida pelo quarteto de dirigentes teria provocado uma revolta geral, mas os "linhas-duras", os velhos companheiros de Honecker, deixaram a mais alta instância do Partido. Os novos
eleitos ignoram o teor do mandato que subjaz ao esboço de texto que acabam de descobrir. Concordam, ao preço de algumas emendas pro forma. Falta apenas distribuir o documento aos diferentes ministros para seus pareceres, então será definitivamente adotado:
Aos membros do Conselho de Ministros
Solicita-se examinar o projeto de decisão anexo acerca de uma regulamentação temporária das viagens e partidas definitivas da RDA antes das 18 horas desta noite.
A formulação não deixa ambiguidade: o decreto refere-se claramente às viagens. Isso não poderá escapar aos 44 ministros do governo da RDA destinatários da mensagem.
No Ministério do Interior, o coronel Lauter trabalha agora sobre as modalidades de aplicação do texto em vias de adoção. O oficial elabora otelex que será dirigido a todos os comissariados de polícia, às prefeituras às administrações dos distritos, estabelecendo os procedimentos administrativos para a entrega dos vistos. Prepara outra mensagem, destinada aos postos de fronteira, suscetíveis, por sua vez, de serem rapidamente tomados de assalto.
Está tudo pronto antes das 18 horas. O Interior só espera agora o sinal verde do Conselho de Ministros e do Politburo para transmitir as ordens aos policiais e aos funcionários. Imbuído do sentimento do dever cumprido, o coronel Lauter prepara-se então para deixar o Ministério e encontrar-se com a esposa no teatro por volta das 19 horas.
De seu lado, o Comitê Central retomou os trabalhos. Por volta das 16 horas, Egon Krenz lê o texto integral diante do plenário. O terceiro parágrafo alude a um comunicado a ser publicado na imprensa, "publicável em 10 de novembro". O secretário-geral, que também recebeu o documento, revela seu teor:
A assessoria de imprensa do Ministério do Interior informa que, até a entrada em vigor de uma regulamentação aprovada pela Câmara do Povo, o Conselho de Ministros adotou uma regulamentação provisória e temporária das viagens e partidas definitivas da RDA.
Krenz não relê os quatro itens que ele já expôs anteriormente. Acrescenta um comentário pessoal desencantado:
- Sei que a maneira como procedemos não é correta. Mas é a única solução que permite evitar envolver países terceiros, o que não seria lisonjeiro para o prestígio internacional da RDA.
O debate que se segue resulta em algumas emendas. A pedido do ministro da Cultura, o epíteto "temporário", que gera ambiguidade, é riscado. Seu colega do Interior sugere, por sua vez, que a declaração não emane do Ministério, mas do governo. Egon Krenz aprova:
- Acho inclusive que o porta-voz do governo deveria cuidar disso imediatamente.
Essa frase banal irá acelerar o curso da História.
Por volta das 17h15, Günter Schabowski vai ao encontro de Egon Krenz para se despedir-se. É obrigado a trocar o Comitê Central pelo IPZ, onde uma entrevista coletiva deve ter início às 18 horas. A essa altura, a sessão plenária já deve ter terminado, mas, como a ordem do dia está sobrecarregada, o secretário-geral estende-a em duas horas. Os dois caciques do Partido têm um breve conciliábulo. Schabowski, que perdeu o essencial dos debates, pede um resumo dos assuntos importantes do dia. Nem sequer recebeu o texto sobre a nova regulamentação das viagens. Egon Krenz entrega-lhe seu próprio exemplar:
- Diga-lhes isso. É um furo.
O porta-voz pega o papel. Sem o ler, enfia-o displicentemente numa pasta de papelão.
No IPZ da Mohrenstrasse, Günter Schabowski concede então sua segunda entrevista coletiva. Na véspera, na primeira, relatou os trabalhos do dia na plenária do Comitê Central. Esses encontros com a imprensa obedecem a um roteiro completamente inédito na RDA, inimaginável aliás alguns dias antes. A televisão alemã oriental transmite-os integralmente e ao vivo; os correspondentes do mundo inteiro podem fazer a pergunta que quiserem: uma revolução copernicana nessa Alemanha socialista onde nada - afora o esporte, as variedades e, no sábado precedente, a manifestação da Alexanderplatz - era transmitido ao vivo e onde os jornalistas estrangeiros nunca tinham acesso aos membros do Politburo!
Terno cinza, camisa cor-de-rosa, laço da gravata malfeito, Günter Schabowski percorre com grandes passadas o corredor central da sala, apinhada de gente, do primeiro andar do IPZ. Os jornalistas acomodaram-se nas fileiras de cadeiras vermelhas. Outros mantêm-se de pé nas laterais. Atrás das últimas fileiras, cerca de vinte câmeras alinhadas, instaladas sobre um tripé, apontam suas lentes para a tribuna. Ladeado pelo presidente do sindicato dos professores, do ministro do Comércio Exterior e de Manfred Banaschak, redator-chefe da revista Einheit, Günter Schabowski instala-se de costas para uma cortina cáqui pregueada. Seis microfones estão à sua frente. Os correspondentes das agências de notícias instalam seus gravadores na beirada da mesa.
De umas semanas para cá, a RDA ocupa o proscênio das notícias internacionais, e todos os dias a imprensa do mundo inteiro aguarda ansiosamente por novidades. Entretanto, a entrevista coletiva naufraga rapidamente na monotonia. Cansado, meio largado em seu assento, Günter Schabowski discorre numa voz monocórdia acerca dos debates do dia no Comitê Central. Os jornalistas descansam seus blocos de anotações ou rabiscam apenas alguns trechos de frases. Não é com esse jargão que irão compor as manchetes de seus jornais! Na véspera, em contrapartida, o mesmo Günter Schabowski lhes expusera o profundo expurgo por que passara o Politburo. Uma impiedosa exoneração dos velhos caciques, entre eles o temido Mielke, pusera um ponto final na era Honecker. Os correspondentes não haviam perdido uma migalha do relato dessa encenação de massacre. E tinham uma primeira página.
Esta noite, a imprensa tem a sensação de ter voltado à era glacial da RDA. Declarações sutis sobre uma próxima reunião do SED (preferida à organização de um Congresso extraordinário), generalidades sobre o programa do Partido, uma pincelada sobre a lei eleitoral. Os bocejos concorrem com os suspiros de tédio. Para ocupar a hora concedida à entrevista coletiva - a televisão está ao vivo -, Günter Schabowski passa a palavra ao excelente professor Banaschak. O teórico do SED vem em seu auxílio com fórmulas enfaticamente caducas. Sequer uma pergunta interrompe o monólogo do chefão da Einheit. O Café Moskau? O Ganymed? O Café Becher? São 18h53 e os correspondentes já se perguntam em que restaurante de Berlim Oriental irão jantar ao saírem do IPZ. Um jornalista italiano levanta-se então e pede a palavra:
- Meu nome é Ricardo Ehrman. Represento a agência de notícias italiana ANSA. Sr. Schabowski, o senhor falou de erros. Não acha que a apresentação da nova lei sobre as viagens, há alguns dias, foi um grande erro?
O jornalista da ANSA manifestamente tocou num ponto sensível. Günter Schabowski acha de fato que Egon Krenz cometeu um erro ao precipitar o anúncio de um texto que não resolvi nada. Mas não deixara de adverti-lo. Mas não é hora de admitir isso, nem de revelar desavenças no seio do Partido. Numa fala hesitante, morosa, lança-se em explicações tortuosas. Enquanto emenda frases vazias, tenta encontrar uma saída, livrar-se daquela pergunta-armadilha. Contesta o termo erro. Em seguida gaba a política de renovação iniciada pela nova equipe, que atuará para que os cidadãos não tenham mais vontade de deixar o país.
Günter Schabowski sabe que está sendo filmado e que todas as suas declarações são acompanhadas por milhões de alemães orientais. E imagina-os em frente à televisão, impacientes, rancorosos, como os que o impediram de falar, no sábado, na Alexanderplatz. Nunca passou por tamanha provação e descobre subitamente as dificuldades do exercício. De repente, as instruções do Politburo vêm-lhe à mente. A fim de dissuadir os candidatos ao exílio, pediram-lhe que falasse daqueles que, decepcionados, voltaram para a RDA depois de algumas semanas de farra na República Federal.
- A RFA esgotou sua capacidade de acolher refugiados. Se quiserem alojar-se por lá, as pessoas só podem contar com soluções mais ou menos provisórias. Entretanto, o alojamento é o mínimo para alguém construir uma vida! O fundamental é encontrar trabalho, bem como a necessária integração numa sociedade, o que é difícil de se alcançar quando se mora numa barraca ou num abrigo de emergência, ou quando
se fica desempregado...
Ufa! Sacou um trunfo da manga. A RFA não é um eldorado, digam o que disserem! Rápido, é preciso abaixar outra carta. Volta à lei sobre as viagens apresentando-a como um simples projeto que não entrará em vigor daquela forma. De repente, um raio atravessa-lhe o espírito: o decreto que Egon Krenz mencionou... Ao mesmo tempo em que dá uma olhadela para seus colegas de palco para solicitar sua aprovação, dá início
ao anúncio.
- Por recomendação do Politburo, entra em vigor um item do projeto de lei que diz respeito à saída permanente do território. Pois é inaceitável que esta se realize via um país amigo, o que não é simples para esse Estado. Dessa forma, resolvemos hoje adotar uma regulamentação que permita a todo cidadão do RDA deixar o país passando pelos postos de fronteira da RDA.
A entrevista coletiva sai subitamente do torpor. Os jornalistas ergueram uma pálpebra e esticaram os ouvidos. Finalmente uma informação digna de ser noticiada! Mãos se levantam. Chovem perguntas.
- Quando isso entra em vigor?
Acossado, Günter Schabowski põe seus óculos, e, enquanto continua a falar, remexe em seus documentos. Perturbado, espanta-se que jornalistas não tenham o comunicado em mãos. Saca o papel que Egon Krenz lhe passou quando deixou o plenário do Comitê Central. Lê-o sem tomar fôlego nem levantar a cabeça.
As solicitações de viagens privadas ao estrangeiro podem ser feitas sem condições prévias - motivo do deslocamento ou laços familiares. As autorizações serão entregues sem demora. As divisões competentes - passaporte e controle dos cidadãos - dos comissariados da Volkspolizei na RDA têm como instrução entregar imediatamente os vistos de saída definitiva sem aplicar as condições ainda em vigor atualmente.
As saídas definitivas podem ser efetuadas em todos os postos de fronteira entre a RFA e a RDA. Dessa forma, suprime-se a entrega provisória de autorizações nas representações da RDA no estrangeiro, assim como a saída definitiva da RDA mediante apresentação de documento de identidade da RDA via países terceiros.
Günter Schabowski ergue os olhos. Descobriu esse documento enquanto o lia em voz alta. É incapaz de explicitar o decreto. De cara, avisa aos presentes que não responderá a perguntas técnicas, principalmente a respeito dos passaportes. Lança um olhar perplexo para seus vizinhos, os quais lhe são de pífia ajuda. O professor Banaschak atrevese a uma reflexão de bom senso:
- É o conteúdo que é decisivo.
Dessa vez, os jornalistas despertaram completamente. Releem suas anotações. "Viagens privadas", "sem condições", "sem demora": a RDA não é mais a RDA. A prisão a céu aberto abriu suas grades.
Braços levantam-se novamente. Günter Schabowski vê-se obrigado a falar mais, a esclarecer, repetir. A notícia é tão inusitada que é impossível ater-se a uma declaração tão sucinta. Um corresponde alemão ocidental interpela-o e repete a pergunta à qual o secretário do Partido continua sem responder:
- Quando entra em vigor?
Günter Schabowski parece fora de si. Diante da impaciência da sala, recorda-se das palavras de Egon Krenz - é um "furo!" Nervoso, inseguro, tenta encontrar a resposta vasculhando novamente entre seus papéis. As câmeras filmam. Seu silêncio torna-se constrangedor. Tem que dar uma resposta rápida, clara e precisa.
- Ao que me consta... imediatamente, agora mesmo!
Espontaneamente, as conversas multiplicam-se entre os jornalistas. Uma pergunta emerge dessa cacofonia.
- O senhor disse apenas RFA; isso valeria também para Berlim Ocidental?
Günter Schabowski afunda ainda mais em sua cadeira e começa a ler numa voz altissonante e entrecortada.
- O Conselho de Ministros decidiu que, até a entrada em vigor de uma legislação votada pela Câmara do Povo, essa regulamentação provisória está em vigor.
- Mas isso vale para Berlim Ocidental?
Günter Schabowski sacode os ombros, mergulha novamente em seus papéis e declara numa voz insegura:
- Sim, sim: "A saída definitiva pode ser efetuada por todos os postos de fronteira entre a RDA e a RFA... ou Berlim Ocidental."
Um burburinho toma conta da sala. Os jornalistas comparam suas anotações. Organizam suas ideias, tentam avaliar o alcance do que acabam de ouvir.
Lentamente, Günter Schabowski se dá conta do que sua declaração acaba de deflagrar. Por enquanto, apenas entre a mídia, naturalmente. Mas a sala começou a zumbir como uma colmeia. Será por essa razão que acrescenta quase imediatamente uma frase marcada pela prudência e a preocupação de dividir a responsabilidade com alguém mais? Velho reflexo de apparatchik do Partido, sobrevivência do instinto de conservação adquirido na Moscou de Leonid Brejeniev...
- Manifesto-me com precaução, pois não estou muito a par dessa questão... Puseram essa informação em minhas mãos logo antes de eu vir para cá...
Enquanto alguns jornalistas deixam apressadamente a sala, outra pergunta é disparada.
- Sr. Schabowski, o que vai acontecer com o Muro de Berlim?
Antes de responder, ele lembra aos jornalistas que já são 19 horas e que é a última pergunta.
- A possibilidade de atravessar o Muro de nosso lado não tem relação com a questão da significação da... digamos... da fronteira fortificada da RDA.
Günter Schabowski lança-se então numa tirada convencional sobre os respectivos méritos do Ocidente e do Leste em matéria de paz. Fórmulas saídas diretamente do breviário pretensamente pacifista do bloco socialista. Suas últimas reflexões perdem-se na agitação e no vaivém que marcam o fim da entrevista.
Após agradecer aos ali presentes, Günter Schabowski levanta-se e dirige-se para a saída. Um jornalista de uma rádio de Berlim Ocidental estende-lhe seu microfone e pergunta-lhe se ele teme uma debandada em massa de fugitivos.
- Espero que não cheguemos a este ponto.
Na sala, um americano elegante de cabelos grisalhos acompanhou toda a entrevista coletiva com o ouvido esticado para um intérprete sentado a seu lado. Astro da televisão, Tom Brokaw apresenta todas as noites o NBC Nightly News, grande jornal dessa rede. Tem um encontro com Günter Schabowski para uma entrevista logo depois de seu compromisso. Como homem experiente - cobriu a Casa Branca durante o caso Watergate -, o repórter sabe que tem nas mãos uma reportagem sensacional. Acha-se diante do homem que acaba de abrir o Muro de Berlim.
Estipulou-se que a entrevista se daria em inglês. Brokaw ataca de sola: quer uma frase de seu interlocutor:
- Compreendi bem, sr. Schabowski? Os cidadãos da RDA podem sair pelo posto de controle de sua escolha por razões pessoais. Eles não precisam passar por um terceiro país?
- Eles não são mais obrigados a deixar a RDA transitando por um outro país.
- Podem sair pelo Muro!
- Eles têm a possibilidade de atravessar a fronteira.
- Liberdade para viajar?
- Sim. Claro. Mas isso não é uma simples questão de turismo. É uma autorização para deixar efetivamente a RDA.
Tom Brokaw não compreende mais nada. Durante a entrevista, Günter Schabowski releu seu papel diversas vezes, como se não estivesse seguro das medidas que lhe haviam encarregado de anunciar.
Nos escritórios do IPZ, os jornalistas que assistiram à entrevista estão na linha telefônica falando com suas redações. Outros escutam novamente a fita gravador para convencerem-se de fato do que ouviram. Muitos ainda hesitam em avaliar a importância real das medidas anunciadas. Suas reflexões chafurdam na retórica pastosa do membro do Politburo. Mas os jornalistas das agências, para quem cada minuto conta, já lançaram um "urgente" pelos fios dos telex. Günter Schabowski declarou que os alemães orientais podiam sair "ab sofort": imediatamente. Estavam confinados em Berlim Oriental desde a madrugada de 13 de agosto de 1961, quando os pedreiros vigiados por soldados construíram um muro de pedra através da capital. Vinte e oito anos de prisão.
Uma avalanche de despachos despenca nas redações."
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"A Queda do Muro"
Autores: Olivier Guez, Jean Marc Gonin
Editora: Record
Páginas: 280
Quanto: R$ 47,90
Onde comprar: pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Livraria da Folha