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    Para diplomata, Lula não irá convencer Israel a dialogar com o Irã

    DANIELA LORETO
    editora de Mundo da Folha Online

    14/03/2010 07h01

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega neste domingo a Jerusalém, dando início a uma visita oficial de quatro dias pelo Oriente Médio. Durante o curto giro--que começará em Israel, passando pelos territórios palestinos ocupados na Cisjordânia e pela Jordânia-- Lula se reunirá com líderes regionais como o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, e o rei Abdullah, da Jordânia.

    Em entrevista publicada na sexta-feira (12) no jornal israelense "Haaretz", Lula se definiu como um "negociador", e disse que o Brasil pode ter um importante papel no conflito no Oriente Médio. Lula disse ainda que "não se pode permitir que o que aconteceu no Iraque também ocorra no Irã".

    "Antes que mais sanções sejam impostas, precisamos fazer todo o esforço para reconstruir a paz no Oriente Médio. É isso que está por trás de minha visita a Israel, aos territórios palestinos e à Jordânia, e é também isso que me levará ao Irã [em maio próximo]", explicou o presidente.

    Apesar da determinação de Lula em levar a paz à região, convencer Israel da necessidade de se dialogar com o Irã não será tarefa fácil, na opinião do diplomata israelense Danny Zonshein, que atua como diretor de assuntos públicos do Ministério de Israel em Jerusalém.

    "Ele tem o direito de dar a opinião dele, mas acho difícil que consiga convencer o governo israelense de seu ponto de vista. Somos nós [Israel] que estamos no Oriente Médio e somos ameaçados pelo Irã", disse o diplomata em entrevista exclusiva à Folha Online. Ele esteve no Brasil por alguns dias para participar de um seminário no clube A Hebraica, em São Paulo.

    No entanto, para Zonshein, a questão iraniana não deve prejudicar as relações entre Brasil e Israel. "Isso não será um problema, países amigos podem discordar em relação a alguns assuntos. Nós sabemos qual é a posição brasileira [em relação ao Irã], e não tentaremos minimizá-la ou reduzi-la. Tentaremos mostrar [a Lula] por que as sanções são importantes. Mas é claro que não poderemos forçá-lo a concordar com nada", afirmou o israelense.

    Divergências

    Enquanto o Brasil rejeita a adoção de sanções contra Teerã por causa de seu controverso programa nuclear, Estados Unidos e Israel defendem com veemência a adoção de um novo pacote de retaliações.

    Pablo Martinez Monsivais/AP
    Hillary Clinton em visita ao Brasil; ela pediu sanções, enquanto Celso Amorim defendeu o diálogo
    Hillary Clinton em visita ao Brasil; ela pediu sanções, enquanto ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, defendeu o diálogo

    Em visita ao Brasil no último dia 3, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, defendeu as sanções, enquanto o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, rejeitou a pressão e manteve a defesa do diálogo com o governo islâmico.

    "Nos últimos anos, o Irã vem tentando ganhar força militar e construir armas nucleares, tentando enganar a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e o mundo todo. Se Teerã conseguir obter armas nucleares, o Oriente Médio se tornará instável, e outros países podem querer tais armas também".

    "Além disso, [o Irã] apoia grupos terroristas, como o Hizbollah. Na visão de Israel, as sanções serviriam para persuadir o Irã a abandonar esse plano, que é perigoso não apenas para os vizinhos, mas para o mundo como um todo", explicou o diplomata.

    "As sanções não são contra o povo iraniano, e são o melhor caminho para deter o Irã", acrescentou.

    Israel x EUA

    Na entrevista, o diplomata também comentou a polêmica em torno da aprovação da construção de 1.600 novas casas em Jerusalém Oriental. O anúncio, feito durante a visita do vice-presidente americano, Joe Biden, a Israel, desagradou Washington e ameaçou causar um incidente diplomático. Além das críticas do próprio Biden, Hillary telefonou a Netanyahu e disse que a medida é "negativa" para a relação com os EUA.

    Debbie Hill/AP
    Vice dos EUA, Joe Biden, durante visita a Israel; anúncio de construção de casas causou crise
    Vice dos EUA, Joe Biden, durante visita a Israel; anúncio de construção de casas em Jerusalém Oriental causou crise

    "As relações entre EUA e Israel são boas e continuarão a ser boas. O relacionamento entre os países está além de questões como essa, e também não depende totalmente dos líderes. Amanhã, os líderes podem ser outros, e isso não alterará radicalmente as relações", opinou.

    No entanto, Zonshein admitiu que o momento escolhido para o anúncio foi inoportuno. "A decisão coincidiu com a visita de Biden, não era algo planejado contra a visita, nem que visava causar algum tipo de constrangimento. Foi apenas um momento mal escolhido", afirmou.

    O diplomata ressaltou que a decisão foi apenas "um passo na linha de continuação da construção dos assentamentos", e que o projeto "ainda não foi totalmente aprovado". "É uma área em que já existem casas, a ideia é apenas ampliar", disse.

    O israelense diz acreditar que o episódio já esteja superado. "Espero que sim, entre EUA e Israel há mais do que uma amizade, pode-se dizer que são o melhor amigo de Israel. Nossos valores e interesses são muito parecidos, é uma relação muito sólida", explicou.

    Israel x palestinos

    Após o anúncio da construção das novas casas em Jerusalém Oriental, o líder palestino, Mahmoud Abbas, afirmou que desistiria das negociações de paz com Israel. No entanto, na opinião do diplomata, o congelamento dos assentamentos não faria diferença no processo.

    "Nos últimos meses, não houve vontade do lado palestino de negociar, por isso, não acho que iria ajudar. Tudo isso são pretextos [dos palestinos] para não entrar em negociações. Não há disposição para o diálogo, eles querem apenas enfraquecer as negociações com Israel".

    Tarek Mostafa/Reuters
    O presidente da ANP, Mahmoud Abbas; ele anunciou que desistiria de negociar com Israel após anúncio de construção de casas
    O presidente da ANP, Mahmoud Abbas; ele anunciou que desistiria de negociar com Israel após anúncio de construção de casas

    Segundo Zonshein, a ANP agora se concentra em promover uma solução que envolva apenas um Estado para os dois povos. "Isso os beneficiaria, porque, em uma só nação, eles teriam ampla maioria na população. Tal solução significaria a presença de 3 milhões de palestinos dentro de Israel. Se isso acontecesse, os israelenses perderiam sua força e sua natureza".

    Na entrevista, o diplomata acusou ainda os palestinos de evitar "assumir a responsabilidade por si mesmos". "Israel saiu da faixa de Gaza [com a retirada da região, em 2005], mas até agora a ANP não conseguiu estabelecer um governo sólido. Era a chance para construirem algo próprio, mas eles não o fizeram. Em vez disso, continuam a lançar foguetes contra Israel", criticou.

    "É mais fácil culpar os outros quando não se tem seu próprio Estado. Agora, parece que eles tentam criar certa base própria, que daria origem ao Estado palestino. Espero que aceitem viver lado a lado com Israel".

    Questionado pela Folha Online, Zonshein disse que vê "com bons olhos" a possibilidade de o Brasil atuar como mediador do conflito entre israelenses e palestinos. "Não é uma má ideia, mas não sei se é totalmente viável. É algo que tem que ser discutido com cautela", afirmou.

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