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    O vermelho ressuscita na política francesa

    CLÓVIS ROSSI
    ENVIADO ESPECIAL A PARIS

    16/04/2012 13h53

    O vermelho, a cor do comunismo defunto, está de volta à vida política pelo menos na França, erguido por Jean-Luc Mélenchon, candidato da "Front de Gauche" (Frente de Esquerda), a sensação da eleição presidencial cujo primeiro turno será decidido no domingo, 22.

    Mesmo o "Financial Times", a bíblia dos homens de negócio, anti-comunistas por definição, puxou Mélenchon para o alto de sua página eletrônica na edição desta segunda-feira: "Um poderoso 'revival' da esquerda radical da França, liderada por Jean-Luc Mélenchon, um ex-ministro socialista e com um Partido Comunista reemergente no seu núcleo, parece destinado a ser um dos mais estridentes desenlaces do primeiro turno da eleição presidencial".

    Antes, "Le Figaro", conservador e claramente pró-Nicolas Sarkozy, o presidente-candidato, havia se derramado em admiração pelo candidato da Frente de Esquerda quando do comício na Bastilha, faz um mês, que marcou a entrada (ou reentrada) do vermelho na cena política.

    O candidato, ex-trotskista, 30 anos de militância no Partido Socialista, que só abandonou em 2008, não tem o menor pudor em recorrer aos velhos símbolos do comunismo, cujos militantes ou ex-militantes formam 80% dos quadros da Frente.

    Ao contrário, orgulha-se deles e mistura retórica revolucionária com um tom poético. No comício da Bastilha, disparou:

    "Nós somos a bandeira vermelha e o vermelho da bandeira. Cada manhã que nasce estende sua luz ao longo do dia, a noite recua, vem o tempo das cerejas e os dias felizes".

    A escolha da Bastilha para o primeiro comício de (re)apresentação do vermelho não foi casual: a Bastilha, disse, foi "o ponto de partida de todas as nossas revoluções". Agora, em 2012, é a hora da "insurreição cívica", seja lá o que isso queira dizer.

    Dominique Reynié, professor da Sciences Po, uma das grandes grifes acadêmicas da França, analisa o fenômeno Mélenchon da seguinte forma, para o "Monde":

    "Mélenchon construiu com habilidade um sincretismo ideológico cimentado por um estilo populista, capaz de falar às igrejas do esquerdismo, do comunismo, do ecologismo e do soberanismo".

    Esse sincretismo puxou o candidato ao terceiro lugar nas intenções de voto, empatado tecnicamente com outra extremista, mas de direita, Marine Le Pen, candidata da Frente Nacional.

    É um resultado espetacular se se considera que o Partido Comunista Francês encolheu terrivalmente nas duas eleições presidenciais mais recentes: obteve apenas 3,37% dos votos em 2002 e menos ainda (1,93%) em 2007. Virou nanico depois de ter chegado ao poder em 1981 de braço dado com François Mitterrand, o último presidente que a esquerda conseguiu eleger.

    Parece evidente que Mélenchon não conseguirá passar para o segundo turno, hipótese que, essa sim, caracterizaria uma "insurreição cívica". Mas o socialista François Hollande, que disputa voto a voto com Sarkozy no primeiro turno, precisará do apoio da Frente de Esquerda para vencer o segundo turno. Para parte dos analistas franceses, terá então que levar em conta os pontos não-poéticos da oratória de Mélenchon: salário-mínimo de € 1.700 euros, retorno da idade de aposentadoria a 60 anos (Sarkozy elevou-a para 62), extensão do salário-mínimo e do subsídio de solidariedade aos jovens entre 18 e 24 anos, gratuidade dos cuidados médicos, volta às estatizações, criação de 800 mil postos de funcionários, uma alíquota de 100% no imposto pago pelos que ganham mais de € 350 mil euros (anuais).

    Mas, acima de tudo, o que Mélenchon prega - e deve ter sido a catapulta que o levou ao terceiro lugar nas pesquisas - é a rejeição frontal das políticas de austeridade que estão sendo impostas em praticamente toda a Europa.

    É altamente improvável que Hollande ouse aceitar uma proposta tão radical. O candidato socialista pretende, apenas, acrescentar políticas de estímulo ao crescimento às regras de austeridade, mas não rasgá-las.

    É razoável supor que, mesmo assim, Hollande levará o votos dos frentistas de esquerda. Afinal, Clémentine Autan, uma das líderes do novo "vermelho", diz claramente: "Nosso primeiro objetivo é livrar a França de Nicolas Sarkozy".

    Se é assim, a Frente de Esquerda terá que votar em Hollande, apesar de seu vermelho ser desbotado (é cor-de-rosa).

    Editoria de Arte

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