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    Minha História

    Davut, 21

    Minha história: Estudante guarda barricadas de protesto na Turquia

    DEPOIMENTO A LUIZA BANDEIRA
    EM ISTAMBUL

    10/06/2013 03h00

    O universitário Davut, 21, foi detido e agredido por policiais em Istambul ao participar de um protesto no dia 2. Acampado no parque Gezi desde então, participa toda noite da vigília que afasta a polícia da praça. Com medo de novas agressões, Davut preferiu não dizer o sobrenome e pediu para ser fotografado apenas com máscara de gás lacrimogêneo.

    *

    Vim para a praça Taksim no sábado, dia 1º, sozinho, com a roupa do corpo. Soube do que estava acontecendo pelo Twitter e pelo Facebook. Moro em outra cidade, mas já estava em Istambul por causa das férias. Como meus amigos vieram pra cá, decidi vir também.

    Cheguei às 8h30 da manhã e comecei a andar para ver o que estava acontecendo. Lá pelas 10h30, houve o primeiro confronto com a polícia. Veio o gás lacrimogêneo e todos correram, desesperados.

    Eu estava usando uma máscara que meus amigos me deram. Pelas ruas, algumas pessoas distribuíam máscaras. Mas quem não tinha chorava e não conseguia respirar. Também jogaram muitos jatos d'água.

    Naquela noite, decidi ficar aqui acampado com os outros para proteger o parque. Mas ninguém conseguiu dormir. Os enfrentamentos se repetiam e era impossível pegar no sono.

    Luiza Bandeira /Folhapress
    Manifestante Dayut, que está acampado no parque Gezi, em Istambul (Turquia)
    Manifestante Dayut, que está acampado no parque Gezi, em Istambul (Turquia)

    No dia seguinte, por volta das 20h, decidimos que era preciso distrair a polícia desse lugar que queríamos proteger. Outras pessoas e eu fomos para o bairro de Besiktas. Eram mais de 2.000 pessoas lá e ficamos até a polícia desistir, até umas 5h da manhã.

    Três amigos e eu estávamos voltando para cá quando fomos cercados e colocados num carro de polícia. Lá dentro já estava uma menina, que devia ter mais ou menos a minha idade.

    Eles nos levaram para a frente do palácio Dolmabahçe [usado pelo governo para eventos especiais e visitas de líderes estrangeiros] e tiraram a gente do carro. Pegaram-nos pelo cabelo e começaram a bater nossa cabeça na porta do carro.

    Eles davam tapas muito fortes na cara da menina. Diziam que ela era uma puta e que iam estuprá-la.

    Enquanto eles chutavam os homens, um policial, sem querer, acertou a menina. Ela não conseguia respirar.

    Depois disso, a polícia ligou o motor do carro e nos disse: "Podem ir. Procurem um hospital, vão para onde vocês quiserem".

    A gente voltou para cá e foi procurar ajuda numa enfermaria que os voluntários montaram. Meu lábio sangrava e eu tinha muita dor na cabeça. Até hoje dói. O outro cara foi para um hospital.

    Voltei para a praça porque quero liberdade. Nós temos um objetivo aqui e não sairemos até conseguir. No começo, era a construção do shopping. Eu queria proteger as árvores. Depois se tornou algo muito maior que isso.

    A questão não é de religião. Eu sou muçulmano também. O problema é que o governo quer nos impor a sharia (lei islâmica). Eu não tenho problema com quem usa véu, por exemplo.

    Respeito. Mas quero beber, sair à noite e quero que as mulheres possam se vestir como elas quiserem.

    Acredito em Deus, mas quero ter uma escolha.

    Aqui no parque Gezi é uma festa. As pessoas bebem, brincam e fazem esportes. Eu me alimento com o que ganho das doações e tomo banho num hotel que abriu as portas para a gente.

    Mas isso só acontece porque a gente faz barricadas para proteger essa área. Então, à noite, eu quase não durmo.

    Colocamos ônibus impedindo a entrada da polícia nas ruas que dão acesso ao parque e à praça. Também usamos pedras, tijolos, grades e o que mais tiver à disposição para montar as barreiras.

    Toda noite, a polícia vem e começa a destruir essas barricadas para chegar aqui. É como uma guerra. A gente resiste e constrói as barreiras de novo. Há duas noites eles não vêm. A gente acha que estejam fazendo isso para que a gente se descuide e eles possam chegar de surpresa.

    Nós temos cinco objetivos, e um deles é que [o primeiro-ministro, Recep Tayyip] Erdogan peça desculpas. Queremos outro governo, mas a gente sabe que ele não vai sair agora. Estamos esperando a polícia chegar para nos tirar daqui. E, quando eles chegarem, ninguém sabe exatamente o que poderá acontecer.

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