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    Libertação de prisioneiros gera desgaste para Israel

    DIOGO BERCITO
    DE JERUSALÉM

    06/02/2014 03h10

    Samir Issawi, 34, não toca nos docinhos besuntados em mel que sua mãe oferece às visitas em sua casa, na periferia de Jerusalém.

    Recentemente solto da prisão, após 287 dias em greve de fome, ele controla a dieta para não sobrecarregar o sistema digestivo.

    Ele recebeu a reportagem da Folha no mesmo dia em que um grupo de alunas de ensino médio e um ativista palestino foram à casa da família para saudar aquele que consideram um herói da resistência contra a ocupação de seu território.

    No bairro, cartazes celebram o ex-prisioneiro, que esteve por meses sob risco de morrer enquanto se recusava a se alimentar.

    "O que me fazia continuar era saber que minha causa era justa. Eu coloquei na minha cabeça que ou eu saía da prisão, ou morria ali. Não havia um caminho no meio. Ia voltar a Jerusalém como mártir ou como vitorioso."

    Issawi foi detido em 2002 pela acusação de tentativa de homicídio. Ele reconhece ter sido encontrado armado, "mas não reconheço o tribunal", afirma. "Eu estava em solo palestino e, por isso, uma corte israelense não poderia ter me condenado."

    Solto em 2011, em acordo pela libertação do soldado israelense Gilad Shalit pelo grupo palestino Hamas, ele foi novamente preso em 2012 por violar os termos da soltura, viajando à Cisjordânia.

    "Foi injusto e desrespeitoso, mas esperamos qualquer coisa dos ocupadores", diz.

    Descontente com a detenção, Issawi iniciou sua longa greve de fome até, após acordo com autoridades locais, ser libertado em dezembro.

    Para ele, "a greve de fome é também uma estratégia para termos melhores condições de vida na prisão".

    Issawi diz que ele e seus companheiros de cela fizeram da prisão uma "universidade". "Trocamos experiências, treinamos uns aos outros. Não podemos trazer livros, e por isso é difícil, mas estudamos outras revoluções que tiveram sucesso e praticamos línguas juntos."

    GUARDA-CHUVAS

    A questão dos prisioneiros, que traz uma forte carga política na região, é recebida com um viés diverso por parte da população israelense.

    Centenas foram às ruas, em dezembro, numa manifestação que, devido ao mau tempo, foi apelidada como "Marcha dos Guarda-Chuvas".

    Familiares de vítimas de terrorismo protestavam contra a soltura de prisioneiros palestinos realizada como parte de um acordo para a manutenção das negociações de paz entre Israel e a Autoridade Nacional Palestina.

    A saída dos prisioneiros tem sido feita em etapas, conforme o diálogo entre os times negociadores avança.

    A libertação de Issawi, apesar de não fazer parte do pacote mais recente, coincidiu com as marchas e dá também testemunho do desagrado entre setores da população diante do que muitos, em Israel, enxergam como a devolução de um perigoso terrorista à sociedade.

    "O governo israelense é fraco", diz à Folha Yaaron Friedman, familiar de uma vítima de atentado. "Nos sentimos mal ao saber que assassinos são soltos aqui."

    Seu irmão, Guy Friedman, foi morto em 1992, aos 19 anos. Ele dormia em um quartel militar quando foi surpreendido por terroristas palestinos empunhando machados e ancinhos. Outros dois israelenses morreram.

    Os responsáveis pela morte do rapaz devem ser soltos neste ano, na última etapa da libertação de prisioneiros palestinos em prol das negociações de paz.

    Será a soltura mais controversa, por incluir não apenas palestinos, mas também aqueles que são considerados "árabes-israelenses", ou seja, são oficialmente cidadãos de Israel.

    "Os assassinos do meu irmão vão ser soltos aos 40 anos, com uma vida pela frente", afirma Friedman, também descontente com a frequente narrativa palestina de que os detentos são "mártires" e também "heróis".

    "O que eles podem dizer, admitir que são terroristas? Eles só podem dizer que estão lutando pela liberdade. Mas são assassinos", diz.

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