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    Autor de livro sobre sobrevivência diz que história de náufrago é crível

    PETER WALKER
    DO "GUARDIAN"

    06/02/2014 11h56

    Não obstante o ceticismo que saudou a ideia de que José Salvador Alvarenga tenha sobrevivido por mais de um ano à deriva no Pacífico num barco pequeno, essa proeza seria fisiologicamente viável, especialmente para um pescador experiente, capaz de capturar seu alimento. A opinião é de um especialista em sobrevivência no mar.

    "Não tenho ideia se ele [Alvarenga] fez isso ou não, mas não seria impossível", opinou Mike Tipton, professor de fisiologia na Universidade de Portsmouth e co-autor do livro "Essentials of Sea Survival" (Aspectos essenciais da sobrevivência no mar). "O fato de ele ser pescador, saber estar no mar e sobreviver, só pode ser uma enorme vantagem comportamental."

    Enquanto a ração recomendada de sobrevivência para pessoas em botes salva-vidas é um litro de água e mil calorias de alimento por dia, relatos de sobrevivência anteriores mostram que é possível subsistir com muito menos. Um estudo sobre pessoas à deriva em botes salva-vidas durante a Segunda Guerra Mundial, citado no livro de Tipton, mostra que mesmo uma ração diária de água de pouco mais de 200 ml aumenta em muito as chances de sobrevivência.

    Alvarenga não explicou como manteve sua ingestão de fluidos, mas Tipton disse que isso poderia ser feito. "É possível, sem dúvida, se tudo for acontecer de modo favorável e você conseguir suprimentos periódicos de água doce que puder armazenar, ou se tiver a astúcia de usar a condensação que aparece na parte interna de lonas e coisas desse tipo. Pode acontecer, mas, se aconteceu, é um fato notável."

    O livro de Tipton assinala várias maneiras inovadoras, embora repulsivas, de obter fluidos, incluindo sugar a umidade das espinhas dos peixes e tomar o sangue de tartarugas; esta última opção é algo que Alvarenga disse que fazia. Uma tartaruga de 20 quilos pode fornecer cerca de um litro de sangue –substância descrita como tendo sabor de "elixir da vida" por um náufrago anterior, o escocês Dougal Robertson, que sobreviveu por 38 dias à deriva com sua mulher e quatro filhos depois de a escuna deles ser afundada por baleias no oceano Pacífico.

    Tipton disse que tartarugas são relativamente fáceis de capturar e podem salvar a vida de um náufrago. "Há também uma boa camada de gordura na tartaruga, logo abaixo do casco. Ela é muito útil. Você vai querer preservar suas proteínas, que são os elementos básicos da vida."

    A gordura de tartaruga é especialmente útil porque as proteínas –o principal grupo alimentar disponível às pessoas à deriva no mar, quer venha de aves ou peixes– pode ser contraproducente, já que precisam de um bom volume de fluidos para serem processadas pelo corpo.

    Outro luxo improvável são os olhos de peixe, que são uma fonte útil de líquido e de outro nutriente vital. Maurice e Maralyn Bailey, casal de britânicos que em 1973 sobreviveu por 117 dias num bote salva-vidas de borracha no oceano Pacífico, de início não entenderam por que sentiam vontade de comer os olhos dos peixes, algo que não é feito normalmente. Segundo Tipton, "foi apenas após a viagem que compreenderam que os olhos de peixe são ricos em vitamina C, que fica faltando para pessoas à deriva no mar e cuja ausência pode resultar em escorbuto".

    Além do conselho fartamente conhecido de abster-se de beber água do mar –o livro observa que métodos de sobrevivência improváveis envolvendo ênemas de água do mar tampouco ajudam–, Tipton disse que quem está à deriva deve resistir à tentação de beber qualquer coisa no primeiro dia, entre outras razões porque boa parte desse fluido seria perdido na urina.

    "Passado o primeiro dia ou dois, o corpo entrará em modo de conservação. Desde que você não esteja nadando para pegar peixes ou se exercitando muito, seu metabolismo vai desacelerar. Você entrará em ritmo metabólico de descanso, que requer entre mil e 1.500 calorias por dia. Sabemos por pessoas como os grevistas de fome dos anos 1970 e 1980 quanto tempo o corpo consegue sobreviver ingerindo pouquíssimo."

    A maior vantagem de Alvarenga pode ter sido simplesmente sua experiência de anos com o mar. Para Tipton, "uma das coisas que aprendemos ao longo dos séculos é que as pessoas que saem ao mar regularmente são corporalmente adaptadas a esse ambiente. A diferença pode estar em coisas pequenas. Se você ou eu estivéssemos nessa situação, provavelmente passaríamos a primeira semana com enjoo, e isso por si só acabaria conosco –não apenas por ser fonte importante de desidratação, devido ao vômito, mas porque leva à desmoralização."

    Tradução de CLARA ALLAIN

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