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    Cientista político Robert A. Dahl, morto aos 98, definiu a política e o poder

    DOUGLAS MARTIN
    DO "NEW YORK TIMES"

    10/02/2014 17h26

    Robert A. Dahl, cientista político visto por muitos como o mais eminente estudioso do governo democrático entre seus pares, morreu na quarta-feira passada em Hamden, Connecticut. Tinha 98 anos. Sua morte foi confirmada por sua filha Sarah Connor.

    Em 2002 a "New Yorker" disse que Dahl "é tão coberto de honras quanto é possível para um acadêmico" e citou o acadêmico de Cornell Theodore J. Lowi, segundo o qual Dahl era "o maior teórico político desta geração".

    Dahl, que lecionou em Yale por 40 anos, deu uma definição de política que foi memorizada por uma geração de estudantes: "O processo que determina a alocação abalizada de valores".
    Sua definição do poder também tornou-se padrão: "A exerce poder sobre B na medida em que consegue que B faça algo que de outro modo não faria".

    Em duas dúzias de livros e centenas de artigos, Dahl escreveu sobre política externa, o Congresso, o bem-estar social, a Constituição e mais. Ele foi um dos primeiros proponentes do uso de dados do mundo real e análises empíricas no estudo da política, mas não se furtava a pronunciar julgamentos sobre questões mais amplas.

    "Ao longo de décadas em que os cientistas políticos focaram questões cada vez mais estreitas e em muitos casos técnicas, ele foi a única pessoa que chamava todos de volta ao quadro mais amplo, às questões mais importantes", declarou em entrevista na sexta-feira James S. Fishkin, professor de comunicações e ciência política em Stanford. "Qual forma de democracia estará à altura das aspirações democráticas?"

    A obra de Dahl que talvez seja a mais conhecida é uma de suas primeiras: "Who Governs? Democracy and Power in an American City" (1961) (Quem governa? Democracia e poder numa cidade americana), que estudou o funcionamento político de New Haven, Connecticut. Contrastando com a ideia de que o poder na sociedade americana fosse concentrado numa elite empresarial, Dahl via uma multidão de grupos competindo por influência. Escreveu: "Em vez de um único centro de poder soberano, é preciso que haja múltiplos centros de poder, nenhum dos quais é ou pode ser inteiramente soberano".

    New Haven, ele argumentou, viveu uma progressão histórica do governo patrício para uma forma de governo mais contestado, em que partidos políticos e candidatos de origens étnicas e econômicas distintas competem.

    Inicialmente, Dahl defendeu a competição pluralista como sendo inerentemente democrática. Mas em seus livros posteriores, teorizou que minorias poderosas e politicamente ágeis podem frustrar a vontade de outras minorias e também de maiorias.

    Ele temia especialmente que executivos corporativos pudessem ditar os rumos de suas empresas, muitas vezes sem consultar os acionistas. Advogava entregar uma participação maior na governança corporativa a figuras de fora, incluindo grupos do governo e de interesses, como representantes dos consumidores.

    Dahl também escreveu que nos últimos anos os cidadãos vêm tendo menos influência sobre o processo político, ao mesmo tempo em que querem mais. Apontou para a desigualdade econômica crescente, que enxergava como ameaça ao processo político. E criticou a Constituição como antidemocrática, dizendo que ela ignora as diferenças populacionais, pelo fato de garantir pelo menos um deputado e apenas dois senadores a cada Estado.

    Ele não via como mudar isso, porque a Constituição o proíbe especificamente. Mas sugeriu reformas, como a imposição de limites aos mandatos de senadores e deputados e a realização de eleições de segundo turno, para que o vencedor de cada pleito pudesse contar com uma maioria.

    "Ele furou a bolha da arrogância que temos, que é tão grande", disse Fishkin.

    The New York Times
    O cientista político Robert A. Dahl
    O cientista político Robert A. Dahl

    Robert Alan Dahl nasceu em 17 de dezembro de 1915 em Inwood, Iowa, onde seu pai era médico. Quando os tempos difíceis impossibilitaram muitos pacientes de pagar suas contas médicas, a família se mudou para Skagway, no Alasca, onde uma ferrovia tinha publicado anúncio pedindo um médico. Robert trabalhou na ferrovia e como estivador durante os verões e tornou-se socialista e sindicalista. A experiência ajudou a incutir nele o desejo de estudar os efeitos do poder político sobre as pessoas comuns.

    Ele cursou a Universidade de Washington por ser a mais próxima de onde vivia e depois aceitou uma bolsa de doutorado em ciência política em Yale. Depois de obter seu Ph.D., trabalhou para o Departamento de Agricultura e duas agências que cuidavam da produção industrial durante a guerra. Em seguida, abriu mão da permissão de adiamento do serviço militar e entrou no Exército como soldado da infantaria. Combateu na Europa e recebeu uma Estrela de Bronze com insígnia de carvalho.

    Após o fim da guerra, foi enviado para uma unidade do Exército encarregada de "desnazificar" os bancos alemães. Não querendo voltar a ser burocrata, retornou a Yale, obteve um emprego temporário na universidade e acabou ficando ali até 1986, quando se aposentou da cadeira Sterling de ciência política e do cargo de pesquisador sênior em sociologia.

    Dahl foi presidente do Departamento de Ciência Política de 1957 a 1962. Em 1968, liderou um comitê que recomendou que Yale se tornasse uma das primeiras universidades americanas a criar um curso de graduação em cultura afro-americana. A universidade seguiu a recomendação.

    Dahl foi presidente da Associação Americana de Ciência Política em 1967. Foi membro da Academia Nacional de Ciências, da Sociedade Filosófica Americana e da Academia Americana de Artes e Ciências. Recebeu a Guggenheim Fellowship duas vezes. Em 1995 foi o primeiro laureado com o Prêmio Johan Skytte de Ciência Política, dado pela Universidade de Uppsala, na Suécia, ao acadêmico que tivesse feito a contribuição mais valiosa para a ciência política.

    Sua primeira esposa, Mary Bartlett, morreu em 1970. Além de sua filha Sarah Connor, Dahl deixa viúva, Ann Sale; filhas, Kirsten Dahl e Jane Thery; filhos, Eric e Christopher, e quatro netos. Outro filho, Peter, morreu antes dele.

    Dahl admitia livremente que a maioria das pessoas se interessa mais pelo trabalho, a família, a saúde, a amizade e a recreação que pela política, o que dirá a ciência política.

    "A política é uma atração secundária no grande circo da vida", escreveu.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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