Robert A. Dahl, cientista político visto por muitos como o mais eminente estudioso do governo democrático entre seus pares, morreu na quarta-feira passada em Hamden, Connecticut. Tinha 98 anos. Sua morte foi confirmada por sua filha Sarah Connor.
Em 2002 a "New Yorker" disse que Dahl "é tão coberto de honras quanto é possível para um acadêmico" e citou o acadêmico de Cornell Theodore J. Lowi, segundo o qual Dahl era "o maior teórico político desta geração".
Dahl, que lecionou em Yale por 40 anos, deu uma definição de política que foi memorizada por uma geração de estudantes: "O processo que determina a alocação abalizada de valores".
Sua definição do poder também tornou-se padrão: "A exerce poder sobre B na medida em que consegue que B faça algo que de outro modo não faria".
Em duas dúzias de livros e centenas de artigos, Dahl escreveu sobre política externa, o Congresso, o bem-estar social, a Constituição e mais. Ele foi um dos primeiros proponentes do uso de dados do mundo real e análises empíricas no estudo da política, mas não se furtava a pronunciar julgamentos sobre questões mais amplas.
"Ao longo de décadas em que os cientistas políticos focaram questões cada vez mais estreitas e em muitos casos técnicas, ele foi a única pessoa que chamava todos de volta ao quadro mais amplo, às questões mais importantes", declarou em entrevista na sexta-feira James S. Fishkin, professor de comunicações e ciência política em Stanford. "Qual forma de democracia estará à altura das aspirações democráticas?"
A obra de Dahl que talvez seja a mais conhecida é uma de suas primeiras: "Who Governs? Democracy and Power in an American City" (1961) (Quem governa? Democracia e poder numa cidade americana), que estudou o funcionamento político de New Haven, Connecticut. Contrastando com a ideia de que o poder na sociedade americana fosse concentrado numa elite empresarial, Dahl via uma multidão de grupos competindo por influência. Escreveu: "Em vez de um único centro de poder soberano, é preciso que haja múltiplos centros de poder, nenhum dos quais é ou pode ser inteiramente soberano".
New Haven, ele argumentou, viveu uma progressão histórica do governo patrício para uma forma de governo mais contestado, em que partidos políticos e candidatos de origens étnicas e econômicas distintas competem.
Inicialmente, Dahl defendeu a competição pluralista como sendo inerentemente democrática. Mas em seus livros posteriores, teorizou que minorias poderosas e politicamente ágeis podem frustrar a vontade de outras minorias e também de maiorias.
Ele temia especialmente que executivos corporativos pudessem ditar os rumos de suas empresas, muitas vezes sem consultar os acionistas. Advogava entregar uma participação maior na governança corporativa a figuras de fora, incluindo grupos do governo e de interesses, como representantes dos consumidores.
Dahl também escreveu que nos últimos anos os cidadãos vêm tendo menos influência sobre o processo político, ao mesmo tempo em que querem mais. Apontou para a desigualdade econômica crescente, que enxergava como ameaça ao processo político. E criticou a Constituição como antidemocrática, dizendo que ela ignora as diferenças populacionais, pelo fato de garantir pelo menos um deputado e apenas dois senadores a cada Estado.
Ele não via como mudar isso, porque a Constituição o proíbe especificamente. Mas sugeriu reformas, como a imposição de limites aos mandatos de senadores e deputados e a realização de eleições de segundo turno, para que o vencedor de cada pleito pudesse contar com uma maioria.
"Ele furou a bolha da arrogância que temos, que é tão grande", disse Fishkin.
The New York Times | ||
O cientista político Robert A. Dahl |
Robert Alan Dahl nasceu em 17 de dezembro de 1915 em Inwood, Iowa, onde seu pai era médico. Quando os tempos difíceis impossibilitaram muitos pacientes de pagar suas contas médicas, a família se mudou para Skagway, no Alasca, onde uma ferrovia tinha publicado anúncio pedindo um médico. Robert trabalhou na ferrovia e como estivador durante os verões e tornou-se socialista e sindicalista. A experiência ajudou a incutir nele o desejo de estudar os efeitos do poder político sobre as pessoas comuns.
Ele cursou a Universidade de Washington por ser a mais próxima de onde vivia e depois aceitou uma bolsa de doutorado em ciência política em Yale. Depois de obter seu Ph.D., trabalhou para o Departamento de Agricultura e duas agências que cuidavam da produção industrial durante a guerra. Em seguida, abriu mão da permissão de adiamento do serviço militar e entrou no Exército como soldado da infantaria. Combateu na Europa e recebeu uma Estrela de Bronze com insígnia de carvalho.
Após o fim da guerra, foi enviado para uma unidade do Exército encarregada de "desnazificar" os bancos alemães. Não querendo voltar a ser burocrata, retornou a Yale, obteve um emprego temporário na universidade e acabou ficando ali até 1986, quando se aposentou da cadeira Sterling de ciência política e do cargo de pesquisador sênior em sociologia.
Dahl foi presidente do Departamento de Ciência Política de 1957 a 1962. Em 1968, liderou um comitê que recomendou que Yale se tornasse uma das primeiras universidades americanas a criar um curso de graduação em cultura afro-americana. A universidade seguiu a recomendação.
Dahl foi presidente da Associação Americana de Ciência Política em 1967. Foi membro da Academia Nacional de Ciências, da Sociedade Filosófica Americana e da Academia Americana de Artes e Ciências. Recebeu a Guggenheim Fellowship duas vezes. Em 1995 foi o primeiro laureado com o Prêmio Johan Skytte de Ciência Política, dado pela Universidade de Uppsala, na Suécia, ao acadêmico que tivesse feito a contribuição mais valiosa para a ciência política.
Sua primeira esposa, Mary Bartlett, morreu em 1970. Além de sua filha Sarah Connor, Dahl deixa viúva, Ann Sale; filhas, Kirsten Dahl e Jane Thery; filhos, Eric e Christopher, e quatro netos. Outro filho, Peter, morreu antes dele.
Dahl admitia livremente que a maioria das pessoas se interessa mais pelo trabalho, a família, a saúde, a amizade e a recreação que pela política, o que dirá a ciência política.
"A política é uma atração secundária no grande circo da vida", escreveu.
Tradução de CLARA ALLAIN
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