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    Análise: Situação na Ucrânia não oferece saídas fáceis ao Ocidente

    PETER APPS
    DA REUTERS

    02/03/2014 13h41

    Com as potências ocidentais cada vez mais concluindo que a Ucrânia perdeu a Crimeia para a Rússia, os Estados Unidos e seus aliados têm poucas opções viáveis e sérias questões sobre futuras relações.

    Ao ignorar o alerta feito por Barack Obama na sexta-feira para que mantivesse distância da Ucrânia, a Rússia parece precipitar a maior crise no relacionamento entre a Rússia e o Ocidente desde a queda do Muro de Berlim.

    Os desenvolvimentos dos acontecimento na próxima semana podem ajudar a dar forma ao mapa geopolítico por vários anos à frente.

    Qualquer ação militar direta do Ocidente arriscaria uma guerra entre superpotências nucleares. As forças da Ucrânia, relativamente pequenas e mal equipadas, podem agir, mas arriscariam provocar uma invasão muito mais ampla da Rússia, que poderia tomar o país inteiro.

    Obama, em particular, enfrenta alguma pressão doméstica para apoiar a Ucrânia, mas o apetite pelo envolvimento militar parece quase completamente ausente. No sábado, o Pentágono disse que não houve mudança na orientação.

    "Para o Ocidente, é uma posição muito difícil", disse Nikolas Gvosdev, professor de segurança nacional na Escola Superior de Guerra Naval dos EUA. "Obama efetivamente traçou a linha vermelha dos EUA", disse. "E Putin as cruzou deliberadamente."

    Forças russas sem insígnia oficial tomaram o controle de bases-chave na província da Crimeia, no Mar Negro da Ucrânia, nos últimos três dias, rendendo unidades militares ucranianas.

    O melhor que pode ser feito agora, dizem autoridades atuais e passadas, é evitar uma escalada que levaria Moscou a tomar o leste industrializado da Ucrânia - também majoritariamente russófono, só que muito maior e mais significativo economicamente.

    Soldados russos participam de jogos de guerra próximo à fronteira com a Ucrânia, e ativistas pró-russos hastearam bandeiras russas em prédios do governo no leste, confrontando apoiadores das novas autoridades da Ucrânia, mas até agora não há sinais de ação militar russa.

    Washington e as outras potências da Otan também precisam encontrar uma maneira de reassegurar aos cada vez mais agitados países do Leste Europeu - em particular as ex-repúblicas soviéticas do Báltico - de que suas garantias de defesa serão honradas, sem aumentar as tensões.

    O risco de passos em falso é alto. Além de enviar forças convencionais, a Rússia também poderia cortar a oferta de gás para a Europa, que passa pela Ucrânia, e acredita-se que o país tenha sofisticados recursos para ciberataques que poderiam ser voltados contra a Ucrânia ou o Ocidente.

    "Pode-se dizer que esta é a situação mais perigosa que a Europa já enfrentou desde a invasão soviética à Tchecoslováquia em 1968", disse uma autoridade ocidental que pediu anonimato. "Com as tropas em alta preparação e em exercício no distrito militar ocidental [da Rússia], eles estão em posição forte", afirmou.

    O Ocidente se contém
    Tropas soviéticas invadiram a Tchecoslováquia em 1968 depois que a "Primavera de Praga" levou um governo mais moderado ao poder, considerado muito mais aberto ao Ocidente.

    Apesar dos pedidos tchecos por apoio, Washington e seus aliados ofereceram pouco além de crítica, relutantes em arriscar uma guerra nuclear após a crise dos mísseis cubanos seis anos antes.

    O impasse atual é mais perigoso do que o que houve na guerra da Geórgia, em 2008, quando o Ocidente se conteve em parte porque o governo da Geórgia foi acusado de escalar a guerra por meio de uma tentativa de tomar a região disputada da Ossétia do Sul.

    Ao enviar soldados à Ucrânia, em contraste, Moscou aparece como tendo invadido unilateralmente um Estado soberano - embora há muito haja forças russas na Crimeia, que alugam da Ucrânia a base usada pela Frota do Mar Negro em Sebastopol.

    Os países da Otan não têm laços legais com a Ucrânia, embora as autoridades do Ocidente tenham amplamente apoiado aqueles que derrubaram o presidente pró-russo Viktor Yanukovich na semana passada, depois que dezenas de ativistas pró-Europa foram mortos a tiros.

    As fronteiras da Ucrânia também foram garantidas pelo Memorando de Budapeste, de 1994, também assinado pela Rússia, EUA e Reino Unido, em troca da devolução de armas nucleares que permaneceram no país após o colapso da União Soviética.

    Na semana passada, o supremo comandante aliado da Otan na Europa, o general norte-americano Philip Breedlove, disse a repórteres que a aliança não tem planos militares de apoiar a Ucrânia em caso de ataque.

    "A esperança é que as cabeças frias prevaleçam", escreveu em artigo para a revista "Foreign Policy" o almirante aposentado James Stavridis, antecessor de Breedlove. "Entretanto, a esperança não é uma estratégia, e portanto mais ações devem ser consideradas. O planejamento é vital para projetar as opções dos decisores, e os planejadores militares da Otan devem no mínimo ter um final de semana agitado."

    Embaixadores da Otan tiveram conversas emergenciais neste domingo, em Bruxelas, com ministros de relações exteriores europeus que se reunirão nesta segunda-feira.

    A Ucrânia participa de várias operações da Otan e formou uma comissão consultiva com a aliança. As autoridades dizem que a comissão pode se encontrar nos próximos dias e poderia solicitar às bases da Otan a preparação de planos de contingência.

    Navios de guerra?
    Durante a guerra da Geórgia, em 2008, Washington enviou navios de guerra ao Mar Negro para entregar socorros e apoio diplomático. Dois navios de guerra dos EUA, o navio de assalto USS Mount Whitney e o destróier USS Taylor, foram enviados em fevereiro para reforçar a segurança das Olimpíadas de Inverno de Sochi.

    Despachá-los para a Ucrânia, porém, poderia parecer uma provocação. Para deixar tudo mais complexo, o USS Taylor colidiu num porto turco em 12 de fevereiro e ficou danificado.

    "Realisticamente, temos de presumir que a Crimeia está em mãos russas", disse a autoridade ocidental. "O desafio agora é evitar que a Rússia tome conta do leste russófono da Ucrânia".

    Por ora, o Ocidente está apostando em medidas políticas e econômicas, começando com a recusa de vários países em participar dos encontros preparatórios da cúpula do G-8, que ocorre em junho na Rússia, e retirando seus embaixadores de Moscou.

    O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, ameaçou sanções neste domingo, mencionando proibições de visto, congelamento de recursos e isolamento comercial como possíveis passos. No grau mais extremo, as sanções financeiras poderiam alvejar altas autoridades russas - talvez até o próprio Putin - e, no longo prazo, a Europa tentará se tornar independente do gás russo.

    É quase certo que a Otan cancelará uma série de reuniões com Moscou e evitará exercícios conjuntos antiterror. A aliança também pode decidir estender o status de membro - ou algo menor - tanto à Geórgia quanto à Ucrânia, embora isso possa ser um exagero para alguns estados-membro.

    "Minha impressão é a de que, se ficar só na Crimeia, os ucranianos deixarão assim por ora", diz Dmitry Gorenburg, analista especializado em Rússia no Centro de Análises Navais, financiado pelo governo dos EUA. "Mas, se parecer que a Rússia vai invadir o resto do leste da Ucrânia, eles vão combater, mesmo que isso signifique a derrota."

    Alguns analistas comparam explicitamente os eventos da Crimeia com a anexação pela Alemanha nazista, em 1938, dos sudetos de fala alemã na Tchecoslováquia, seguida meses depois pelo resto do país e no ano seguinte pela Polônia, dando início à Segunda Guerra Mundial.

    O importante agora, eles argumentam, é garantir que a Rússia compreende quais limites - como os que existem em torno dos membros da Otan no Báltico - realmente não podem ser cruzados.

    Na Polônia, o primeiro-ministro Donald Tusk disse que o conflito ucraniano pode acelerar os esforços de Varsóvia para modernizar o Exército e ganhar independência energética. Mas a maioria das capitais, incluindo Washington, têm poucas opções econômicas além de cortar o gasto em defesa.

    "O Exército russo ainda não se compara ao nosso", disse o ex-oficial da Marinha norte-americana Christopher Hammer, hoje analista-sênior do Instituto para o Estudo da Guerra, em Washington. "Mas eles sabem onde eles querem usá-lo e, diferente de nós, eles têm a vontade de fazê-lo."

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