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    Colômbia reintegra desertores das Farc

    ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
    EM NOVA YORK

    12/03/2014 01h10

    De repente Alejandro Eder, 38, se viu cara a cara com um dos combatentes mais antigos das Farc (Forças Armadas Revolucionarias da Colômbia). Ele pedia perdão pelo que haviam feito com seu avô.

    "Isso já passou", respondeu o neto a um dos possíveis algozes de Harold Eder, ex-ministro que, em março de 1965, tornou-se a primeira vítima reconhecida da guerrilha.

    Cerca de 30 homens armaram uma emboscada, e seus seguranças contra-atacaram. O ex-ministro foi baleado na perna e no estômago. Acabou sequestrado e, no cativeiro, as feridas pioraram. As autoridades acharam seu corpo 24 dias depois, em um poço.

    Alejandro Eder aprendeu nos últimos anos, contudo, que o buraco é mais embaixo. Em 2010, ele foi nomeado diretor da ACR (Agência de Reintegração Colombiana), órgão do governo que reinsere na sociedade desertores tanto de grupos armados à esquerda, como as Farc, quanto de paramilitares à direita.

    O futuro dos guerrilheiros que entregam as armas é um dos pontos-chave das negociações de paz que governo e Farc promovem desde o ano passado em Cuba.

    Segundo a agência governamental, 56.171 combatentes trocaram as armas pelo programa de reintegração colombiano entre 2003 e 2013.

    Eder conta a história de Sandra, "afro-colombiana fortona, 24 anos e uns 2 m de altura. Dava pra notar que era bem durona. Mas seus olhos eram muito tristes". Com nove anos, a hoje ex-guerrilheira foi recrutada à força pelas Farc. Ganhou um rifle AK47 e uma certeza martelada pelo "comandante": se abandonasse a selva, os governistas iriam caçá-la e torturá-la.

    Eder perguntou por que, então, a jovem procurou os supostos inimigos. "Ela me contou que a fizeram ter seu terceiro aborto. Estava grávida de oito meses e meio."

    O diretor da ACR diz estar ciente de que, em 15 anos de Farc, Sandra provavelmente participou de ações similares à que vitimou seu avô há décadas. "As pessoas tendem a achar que a diferença entre bom e mau, vítima e vitimizador, é preto ou branco. Mas a realidade são tons de cinza", disse à Folha, em passagem recente por Nova York.

    Nos três meses iniciais do programa, os "desmobilizados" moram em cinco casas de campo geridas pelo governo, com até cem pessoas cada uma. O tratamento, na medida do possível, é personalizado. Há programas para minorias étnicas, mulheres, gays e transexuais guerrilheiros. Não se separam rivais, como paramilitares e esquerdistas. "Eles se misturam. No fim, muitos se casam ou viram parceiros de negócios".

    Depois, ganham subsídio equivalente a US$ 400 para refazer a vida enquanto recebem apoio psicológico e educação. O ideal é que cheguem ao menos à quinta série do ensino fundamental –a maioria entra como analfabeta total ou funcional. Até hoje, 9.628 viraram universitários.

    Outra preocupação: incluí-los no mercado de trabalho. A ACR mantinha 31.737 "desmobilizados" sob sua asa em 2013: 25% desempregados e 47,5% no mercado informal.

    As profissões que ocupam variam. Por exemplo: há dois anos, Álvaro Pérez, "o alfaiate das Farc", abriu a Semana de Moda de Bogotá com a coleção de sua marca, Chance.

    A reintegração demora cerca de sete anos e custa US$ 2.500 anuais por desertor, com dinheiro público e privado. O governo estima que, após o processo, oito em cada dez ex-combatentes fiquem na legalidade.

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