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    Cheia deixa haitianos 'represados' no Acre

    FÁBIO PONTES
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM BRASILEIA (ACRE)

    06/04/2014 03h34

    Alexandre Noronha/Folhapress
    Em Brasiléia (AC), imigrantes fazem fila para se cadastrar em abrigo
    Em Brasiléia (AC), imigrantes fazem fila para se cadastrar em abrigo

    O haitiano Marc Derisma, 45, define o embarque no ônibus com destino a Rio Branco como o fim de uma agonia.

    Depois de ter percorrido 236 km desde Brasileia, ele seguiria de avião da capital do Acre até Porto Velho (RO), onde embarcará em outro ônibus com destino a São Paulo. Aí, enfim, se encontrará com a irmã, funcionária de um restaurante.

    Derisma é um dos cerca de 2.500 imigrantes que ficaram "represados" ao longo de um mês em Brasileia. A cheia do rio Madeira, em Rondônia, inundou a rodovia BR-364 e deixou o Acre sem conexão terrestre com o resto do país.

    Dessa forma, os imigrantes que não paravam de chegar a Brasileia não tinham como deixar a cidade em busca de emprego em outros Estados.

    Localizada na tríplice fronteira com Peru e Bolívia, a pequena cidade acriana é ponto de entrada de imigrantes haitianos (a maioria), senegaleses e dominicanos.

    Segundo o governo do Acre, por causa desse isolamento, a quantidade de imigrantes em Brasileia é a maior já registrada desde o início da onda imigratória de haitianos na região, em junho de 2010 –seis meses após o terremoto que devastou o país.

    Para amenizar essa situação, o governo do Acre conseguiu retirar mais de 500 imigrantes de Brasileia desde a semana passada.

    Aviões da Força Aérea Brasileira que levam alimentos até Rio Branco voltam a Porto Velho transportando os imigrantes. Mas, à medida que pequenos grupos saem, outros chegam, numa média diária de 40 pessoas.

    Na última quinta-feira, quando a Folha esteve na cidade, 32 senegaleses se juntavam a outros 550 compatriotas. Nos últimos dois anos, o total dos que cruzaram a fronteira com o Peru chega a 1.550.

    Editoria de Arte/Folhapress

    SUPERLOTAÇÃO

    Em Brasileia, o abrigo mantido pelo governo estadual para receber os imigrantes está superlotado. Cerca de 1.500 haitianos e senegaleses dividem um espaço que comportaria, no máximo, 500.

    A "agonia" citada por Derisma ao deixar a cidade é representada pelo esgoto a céu aberto, pela falta de banheiros, pelo ambiente abafado e pela ociosidade à espera de uma chance de ir embora.

    A situação se agrava nos dias de chuva, quando a água com detritos se espalha pelo quintal. Sem banheiros, imigrantes fazem suas necessidades em qualquer ponto.

    Só há água para tomar banho e lavar roupas. Para consumo, nada. A solução é buscar em pontos da cidade e armazenar em garrafas PET.

    No abrigo, são três refeições diárias. As mais de mil marmitas são divididas pelos líderes dos grupos, e todos precisam respeitar a ordem da fila. Como não há talheres, o papel alumínio das tampas é usado como colher.

    Há mais de 20 dias no abrigo, o haitiano Tony Batiptes, 39, conseguiu montar um pequeno comércio.

    Ele vende de sabão a créditos de celular da operadora boliviana Tigo, pela qual eles conseguem ligar para os parentes no Haiti.

    "Quero dinheiro para me encontrar com meu primo em São Paulo. Ele trabalha como pedreiro. As condições aqui estão muito ruins, não há onde dormir, tomar banho", diz.

    DOCUMENTAÇÃO

    O Ministério do Trabalho deslocou servidores de Rio Branco e Porto Velho para agilizar a emissão de documentos, mas diz que falhas na internet dificultam o atendimento aos imigrantes.

    "Já tenho o dinheiro para comprar a passagem e sair daqui, mas preciso da minha carteira de trabalho. Toda vez que vou em busca dela dizem que o sistema não está funcionando", diz Exilus Franzy, 41, que tem um irmão trabalhando na construção civil em Belo Horizonte.

    O governo diz que entrega até 50 carteiras por dia.

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