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    Família de bebê paquistanês acusado de homicídio se esconde após ameaça

    JON BOONE
    DO "GUARDIAN"

    09/04/2014 12h33

    A família de um bebê paquistanês acusado de tentativa de homicídio diz que foi forçada a viver escondida depois de sofrer pressão intensa da polícia, que enfrenta humilhação internacional devido ao incidente.

    Um policial foi suspenso, e foi aberto um inquérito para apurar por que Musa Khan, de 9 meses de idade, foi autuado em Lahore por suposta participação num tumulto numa das favelas da cidade.

    AFP
    Advogado paquistanês tira impressões digitais de Musa Khan, bebê acusado de tentativa de homicídio
    Advogado paquistanês tira impressões digitais de Musa Khan, bebê acusado de tentativa de homicídio

    Depois de o bebê ter sido levado ao tribunal na semana passada, chorando quando suas impressões digitais foram tiradas e tendo que ser confortado com uma mamadeira, a mídia paquistanesa deu grande destaque à insensatez da acusação.

    O episódio chamou a atenção para o descalabro da justiça criminal paquistanesa, em que policiais mal treinados e mal pagos às vezes se apressam a formular acusações falsas que podem enredar pessoas inocentes em anos de problemas legais.

    "Tivemos que ir viver num lugar secreto, porque somos pobres e a polícia está pondo pressão enorme sobre nós para manipular o caso", disse Muhammad Yasin, o avô do bebê.

    Ele rejeitou alegações policiais reproduzidas na imprensa local, segundo as quais a família teria levado "o bebê errado" ao tribunal com a intenção de prejudicar os argumentos da polícia.

    Musa foi uma das cinco pessoas identificadas num boletim de ocorrência policial após tumultos ocorridos em fevereiro numa favela de Lahore quando funcionários de uma empresa de gás foram tentar desligar o gás em casas onde as contas não tinham sido pagas.

    De acordo com o boletim, escrito por um subinspetor assistente, agora suspenso, Musa e os outros acusados tentaram matar os funcionários da companhia de gás e os policiais que os acompanharam, atirando pedras neles.

    Os moradores do local dizem que só houve um protesto pacífico. "Era de dia, só havia mulheres em casa, e elas opuseram resistência ao corte de gás", disse Yasin. "Mais tarde montamos barreiras na rua e erguemos cartazes com slogans contra a polícia."

    De acordo com advogados, são comuns os casos em que a polícia pune famílias inteiras coletivamente, muitas vezes instigada por um querelante.

    "Na maioria dos casos, as pessoas não buscam realmente a justiça nos tribunais", explicou Sundas Hoorain, advogada especializada em casos de homicídio. "Trata-se na realidade de uma busca de vingança. Para isso, procura-se fazer a outra parte sofrer o máximo possível, impondo provações infernais a famílias inteiras."

    É uma prática que frequentemente resulta em absurdos legais. Hoorain disse que trabalhou em um caso em que homens acusados de participação num homicídio mostraram seus passaportes para provar que nem estavam no país no momento em que o crime ocorreu.

    "É uma prática que significa que os culpados podem ficar em liberdade, porque a credibilidade do processo judicial inteiro é comprometida."

    Acusar bebês de crimes é uma prática relativamente rara, embora já tenha havido casos de crianças pequenas atingidas pelas leis contra a blasfêmia, muito criticadas por organizações de defesa dos direitos humanos. Shahbaz Sharis, o poderoso ministro-chefe do Punjuab, a maior província do Paquistão, ordenou uma investigação do caso.

    O advogado da família, Irfan Sadiq Tarar, disse que o código penal do Paquistão não permite considerar que crianças menores de 7 anos tenham cometido um delito criminal. "O caso coloca em dúvida a eficiência da polícia do Punjab", ele disse.

    O juiz do processo, que deixou Musa em liberdade sob fiança até a próxima audiência, no sábado, exigiu uma explicação da polícia.

    Shaukat Javed, um ex-chefe de polícia do Punjab, pediu uma revisão completa dos procedimentos policiais, para que o boletim de ocorrência deixe de ser visto como um "documento sagrado". "Precisamos de reformas, mas para isso é necessária vontade política", ele disse.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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