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    Análise: o colapso do processo de paz israelense-palestino

    HUSSEIN ALI KALOUT
    YURI HAASZ
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    28/04/2014 09h10

    O fracasso do Plano Kerry acerca das negociações de paz entre palestinos e israelenses, irrompeu mutações no comportamento político dos atores envolvidos e que logo se evidenciaram no tabuleiro diplomático.

    Os sinais de mudança que se esboçam, à partir de Washington, são pontilhados sobre os seguintes paradigmas: a crescente impossibilidade da administração Obama de manter a incondicionalidade do alinhamento de Washington a Tel Aviv; pressões da mídia americana sobre a intransigência de Israel; atribuir a responsabilidade sobre o fracasso do processo de paz, em maior proporcionalidade, ao governo Netanyahu do que ao lado palestino.

    A visão que ganha mais tração, dentro da linha pragmática da politica externa americana, calca-se sobre a tese de que a irredutibilidade do governo Netanyahu está reduzindo as margens de manobra dos EUA nas negociações e, consequentemente, ampliando a probabilidade do governo Obama concluir seu mandato sem avanços na mediação.

    Outra percepção que pulsa no âmbito do bloco progressista da ala democrata da diplomacia americana, assenta-se sob o entendimento de que não há mais meios para pressionar os palestinos e a continua política israelense de colonização da Cisjordânia está corroendo a legitimidade dos EUA perante a comunidade internacional.

    Apesar da postura americana estar distante de ser uma guinada para posição de neutralidade, os sinais de fadiga moral se tornam cada vez mais aparentes. O arcabouço do mapa estratégico de Washington para o Oriente Médio, no segundo governo Obama, foi delineado sob dois pontos cardeais intrinsecamente ligados: a conclusão do acordo nuclear iraniano e a solução do conflito israelo-palestino. A conjugação desses dois processos, da ótica da Casa Branca, seria a chave-mestra da resolução de diversos problemas no mundo árabe e mundo islâmico.

    Contudo, a estratégia política do governo israelense não está simetricamente encaixada no escopo do plano estratégico dos EUA. Tal fato demonstra uma assincronia entre os objetivos da politica externa do governo Obama e as condicionalidades internas e externas do coalização governamental de Israel. Benjamin Netanyahu negocia dividido entre preservar o seu cargo de premiê obstruindo as negociações ou cumprir com as normas legais internacionais e ver sua aliança partidária se desmanchar.

    As pré-condições impostas pelo governo Netanyahu nas recentes negociações tais como: reconhecimento de Israel como Estado judaico; tropas no Vale do Rio Jordão por tempo indeterminado; e Jerusalém indivisível, são percebidos como desígnio para atrofiar o processo de negociação e institucionalizar a ocupação. Em outras palavras, o governo Netanyahu está oferecendo aos palestinos o mesmo status quo, porém com feições legais internacionais.

    O estacionamento de tropas militares israelense no vale do Jordão, nas perspectiva palestina, possui contornos distintos às razões de segurança alegadas por Israel. A leitura que ganha mais ímpeto acerca deste ponto, remonta à tese de criar um fato consumado de presença militar e anexar parte da região do Jordão, ainda mais se forem lavados em consideração os assentamentos que ali se encontram. Para os palestinos, se a efetiva intenção for segurança, seriam aceitas de sua parte tropas internacionais ou até mesmo tropas americanas.

    Outro ponto de inflexão que ganhou ressonância, ultimamente, refere-se à exigência do governo Netanyahu de demandar dos palestinos o reconhecimento do território de Israel como pátria exclusiva dos professantes da fé judaica.

    Desde os acordos de Madri de 1991, o tema não figurou em pauta de negociação. Para os negociadores palestinos, a essa missiva diversas interpretações podem ser concebidas e que entrechoca de certa forma com as suas postulações.

    Um dos ângulos explorados sustenta-se sob a argumentação de que o palestinos estão sendo compelidos a reconhecer que os 20% da população árabe-israelense podem ter sua cidadania cancelada e serem expelidos para fora de Israel, o que romperia em sua visão, com o princípio da democracia igualitária. Adicionalmente, uma das interpretações que se dá à natureza do reconhecimento exclusivo do caráter judaico do Estado de Israel, na perspectiva palestina, neutralizaria, de forma irreversível, o direito do retorno dos expatriados palestinos.

    Para a Autoridade Nacional Palestina o reconhecimento do caráter judaico do Estado de Israel não poderia anteceder as delimitações definitivas e soberanas das fronteiras do Estado palestino. A ausência de clareza sobre qual seria o território de Israel é parte, entre outros aspectos, da relutância palestina. Subrogar a Netanyahu a legitimidade de definir, por conta própria e da perspectiva que quiser, a elasticidade das dimensões territoriais e limítrofes de Israel, seria interpretada no seio da sociedade palestina como uma traição do mais elevando grau.

    Somadas à exigência de reconhecimento de Israel como estado judeu, a não definição das fronteiras e a intenção de manter o Vale do Jordão militarmente ocupado, tais condições, se aceitas, proveriam ao menos no papel uma legitimidade para Israel anexar grande parte dos territórios sem precisar estender direitos à população palestina.

    Desde 1972 os governos Israelenses de esquerda e direita vem expandindo os assentamentos na Cisjordânia numa crescente constante. Além disso, os números reais que circundam o processo de paz não são favoráveis para exigir dos palestinos mais concessões. O número de colonos na Cisjordânia de 1993 à 2013 saltou de menos de 100 mil para, aproximadamente, 500 mil, de acordo com analise de John Cassidy da revista New Yorker. Além do recente plano anunciado de colonização de Jerusalém Oriental com 700 unidades habitacionais.

    Já o número de presos alcança patamar superior a 5.000 presidiários políticos, dos quais muitos não têm uma acusação formal ou não foram julgados, e dentre os quais encontram-se 210 menores, deles 28 adolescentes abaixo dos 16 anos de idade, segundo estatísticas do Adameer.org.

    Um dos possíveis cenários futuros para a região, o que esta ganhando cada vez mais tração é o da anexação. Políticos radicais da direita israelense como Naftali Bennett e Avigador Liberman, alicerces da coalizão de Netanyahu, advogam abertamente pela anexação dos grandes blocos de assentamentos, ou ainda, da totalidade da área C, que compreende 60% dos territórios palestinos.

    Dos acordos de Oslo para a atual conjuntura, a situação palestina está exponencialmente pior, sob qualquer perspectiva. Hoje, se os palestinos conseguirem, terão menos de 20% do que é lhes destinado pelos acordos de paz, sendo essa parcela fragmentada em diversas regiões não contiguas.

    Diversas pesquisas nos últimos anos apontam para duas tendências paradoxais. A primeira do Israel Institute for Democracy e Dialog Insitute apontam aumento em indicadores de racismo contra palestinos de grandes parcelas da população Israelense. A outra da organização B'Tselem que identifica a redução do extremismo palestino e disposição em renunciar a luta armada. Os números demonstram que a resistência palestina nunca foi tão passiva e à deriva em 67 anos de história.

    Um diagnóstico mais amplo no plano da geopolítica internacional que abarca a complexa geometria do conflito, aponta para os seguintes cenário: 1) a margem de manobra de Israel no sistema internacional está se reduzindo paulatinamente; 2) a proteção diplomática americana impedindo na ONU punições a Israel pela transgressão das normativas internacionais está danificando a capacidade de Washington de liderar temas mais amplos na agenda internacional e abre brecha para que outros Estados pratiquem políticas semelhantes com os seus protetorados; 3) os instrumentos para conter os palestinos de exercerem os seus direitos internacionais exauriram-se. Os palestinos perderam o medo das ameaças americanas e, sobretudo, das retaliações israelenses - razão pela qual solicitaram a adesão às convenções das Nações Unidas.

    Pois, a narrativa de que os palestinos querem se libertar pelo terror não encontra mais arcabouço sustentável na comunidade internacional e até mesmo na sociedade israelense.

    Os palestinos estão no momento crucial do jogo, movimentar a peça correta no tabuleiro poderá dar-lhes a vantagem importante no campo diplomático. A recente reconciliação entre as duas facções palestinas Hamas e Fatah, após oito anos de divisão tectônica, pode abrir um caminho para um "xeque-mate" causando um agudo isolamento de Israel e testando a seriedade de Washington.

    Agora, o êxito desse movimento passa, primordialmente, pela deposição das armas pelo Hamas. A Netanyahu restaria escolher entre sair da retórica ou a arrepender-se no futuro como as lideranças árabes do passado.

    HUSSEIN ALI KALOUT, é professor de relações internacionais e especialista em Oriente Médio. É pesquisador da Universidade Harvard e Membro do Advisory Board da Harvard International Review.

    YURI HAASZ, possui mestrado pela Universidade de Chicago, é Diretor para a América Latina da Educational Network for Human Rights in Palestine-Israel (FFIPP) e Coordenou diversas iniciativas e programas educacionais de promoção de direitos humanos no Brasil, Israel e Territórios Palestinos.

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