Uma das vozes mais agressivas contra Rowhani é a de Hossein Shariatmadari, 65, diretor de Redação e editorialista do ultraconservador jornal "Keyhan".
O diário é conhecido por veicular a opinião do líder supremo, aiatolá Ali Khamenei, que detém a palavra final na fragmentada república islâmica. O cartão de visita de Shariatmadari não deixa dúvida sobre seus laços com Khamenei: "Representante do líder supremo".
Em entrevista à Folha, Shariatmadari disse considerar "inútil" o acordo nuclear assinado no ano passado em Genebra, pelo qual Teerã reduziu seu programa atômico em troca de um alívio parcial das sanções.
O editorialista alegou que o Ocidente descumpre todas as promessas e afirmou que o verdadeiro objetivo dos Estados Unidos é derrubar o regime iraniano.
*
Folha - Por que escreve textos tão duros contra Rowhani?
Hossein Shariatmadari - Ele é nosso presidente, e queremos que venha a ter sucesso. Quando sentimos que alguns de seus atos podem prejudicá-lo, nós o advertimos. Nossas críticas são movidas por compaixão.
Por que o senhor está tão irritado com as negociações nucleares?
Por causa do bullying e da insistência dos Estados Unidos em violar a legalidade. Nossa atividade nuclear é pacífica. Os inspetores [das Nações Unidas] reconhecem isso. O problema não é legal ou técnico, mas político.
Por que diz isso?
No início do processo [em 2003], começamos a negociar com Reino Unido, França e Alemanha. Após muita conversa, pediram garantias de que não fabricaríamos a bomba. Em troca, prometeram normalizar relações. Tudo deveria levar três meses. Voluntariamente, suspendemos toda atividade atômica.
Mas, após os três meses, os europeus nos disseram que a melhor garantia era que fechássemos para sempre nosso programa nuclear. Naquele momento, entendemos que essas negociações são inúteis e voltamos [a enriquecer urânio]. Depois disso, levaram nosso caso ao Conselho de Segurança da ONU.
Folhapress | ||
Hossein Shariatmadari, diretor de redação e editorialista do ultraconservador jornal iraniano "Keyhan" |
Mas as negociações atuais permitem ao Irã enriquecer urânio.
Ocidentais estão nos enganando. Só permitem um programa nuclear de laboratório, não em escala industrial. Exigem que baixemos o nível de enriquecimento e que nosso estoque de urânio enriquecido seja mantido no limite definido por eles. Os EUA já disseram que o objetivo é que não tenhamos programa nuclear nenhum.
Recentemente, um prédio de 36 andares em Manhattan que pertence ao Irã foi confiscado. O Reino Unido impôs novas sanções a 15 pessoas do nosso governo. Tudo isso depois do acordo de Genebra. O problema do Ocidente não é o programa nuclear.
O problema do Ocidente é a própria existência da republica islâmica?
Claro. A empresa Stratfor, que tem laços íntimos com a CIA [agência de inteligência norte-americana], já disse que o problema não é a questão nuclear, mas a possibilidade de o Irã se tornar a maior potência tecnológica, científica e militar da região sem nenhuma ajuda americana.
Logo depois de Genebra, disseram que sanções não seriam levantadas, trouxeram de volta à tona a questão dos direitos humanos, dos mísseis balísticos, do apoio à Síria, ao Hizbullah etc. O que isso tem a ver com o programa nuclear?
O senhor é contra haver negociações?
Negociações são úteis por uma razão: elas provaram que os EUA não são confiáveis. Havia uma corrente [Rowhani e seus ministros] que acreditava ser possível negociar com os americanos. Agora todo mundo sabe que os EUA mentem, e isso é uma grande conquista.
A posição do líder supremo acerca das conversas tem sido ambígua.
O líder diz: "Não sou otimista quanto ao resultado, mas apoio as negociações". É um posicionamento muito inteligente. Significa que ele diz àqueles que acham ser possível se relacionar com os Estados Unidos: "Podem ir, tentem". Aí eles vão e percebem que não adianta.
Mas o Irã não deveria buscar o fim das sanções para melhorar a vida da população?
Sim, seria bom, mas a que preço? O Ocidente não pretende acabar com as sanções. Elas buscam minar nossa revolução, que trouxe independência, liberdade e nos deu a posse sobre nossas riquezas e recursos nacionais.
Faz três décadas que as sanções foram impostas, e na época não havia a questão nuclear. A solução é a economia de resistência pregada pelo líder. Só devemos depender de nós mesmos.
Qual a importância do Brasil para o Irã?
Laços de proximidade e cooperação com a América Latina sempre foram parte das nossas orientações estratégicas.
Latino-americanos são pessoas intelectualizadas que sentiram na pele a pressão do colonialismo. Temos vários canais que nos permitiriam aumentar nossa relação, inclusive na questão atômica. O Brasil tem um bom programa nuclear.
Rowhani quer mais liberdades civis e individuais, mas facções conservadoras se opõem a essa abertura. Como vê esse embate?
Somos um país aberto e livre. Basta olhar a imprensa. Ela escreve o que quiser. O artigo 4 da nossa Lei de Imprensa afirma que qualquer membro do governo que interferir no conteúdo de uma publicação se expõe a seis meses de prisão.
Onde no mundo existe lei tão avançada? Mesmo que um presidente esteja incomodado com um jornal, ele não pode fechá-lo sem recorrer à Justiça. Há mais de cem processos em curso contra o "Keyhan", muitos deles lançados por ministros.
Mas o Irã ainda mantém muitos jornalistas na prisão. E jornais foram recentemente fechados.
Ninguém está preso por suas convicções, mas por ações que são crimes perante a lei. Aconteceu muita coisa por causa da sedição na eleição de 2009.
Havia pessoas que conspiravam contra o regime sob supervisão dos Estados Unidos, de Israel e do Reino Unido. Esses países apoiaram a conspiração de todas as maneiras. É natural que haja punição para os envolvidos, sejam jornalistas, secretárias ou motoristas.
Por que o líder supremo confia tanto no senhor?
Essa pergunta deve ser dirigida a ele [risos]. O "Keyhan" é uma propriedade pública, mas não pertence ao governo [Rowhani]. O mesmo ocorre com a Fundação dos Oprimidos e o jornal "Ettelaat".
Pela lei, todas essas organizações estão sob supervisão direta do líder supremo, que também aponta os seus dirigentes.
Meus amigos e eu acreditamos no líder do fundo do nosso coração e queremos seguir seu caminho. Vimos que todas as suas previsões se tornaram realidade. E temos crença religiosa nele. Ele é nosso imã e nosso guia.