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    Saiba mais: Como surgiu o Boko Haram na Nigéria

    DO "GUARDIAN", EM ABUJA

    05/05/2014 15h09

    De algumas maneiras, o paradoxo da Nigéria em 2014 captura o da África como um todo. O continente desfrutou de uma década de crescimento econômico. Mas ao mesmo tempo, os últimos seis meses viram conflitos irrompendo na República Centro-Africana e no Sudão do Sul, enquanto o crescimento econômico veio acompanhado de desigualdade cada vez mais profunda.

    O mesmo se aplica à Nigéria, que, com sua riqueza petroleira e uma década de crescimento anual da ordem de 7%, em breve ultrapassará a África do Sul como maior economia africana, com Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 400 bilhões. Os nigerianos bebem mais champanhe que os russos.

    Editoria de arte/Folhapress

    Mas da mesma forma que a África não consegue abandonar seus velhos hábitos de instabilidade, a florescente capital comercial do país, Lagos, conta apenas parte da história, em uma das sociedades mais desiguais do continente. No norte do país, 72% das pessoas vivem na pobreza, ante 27% no sul e 35% no delta do rio Níger, de acordo com o Conselho de Relações Exteriores dos Estados Unidos.

    Por séculos, a região desfrutou dos benefícios da civilização islâmica. Depois, no começo do século 19, seus sultanatos sucumbiram diante de uma jihad liderada por Shehu Usuman Dan Fodio, que criou um califado unificado que foi o maior Estado da África pré-colonial, governando porções do território que hoje forma a Nigéria, Níger e sul dos Camarões. Seu governo adotava uma interpretação rigorosa do islamismo e promovia uma cultura de estudo e poesia.

    O norte da Nigéria não escapou à expansão do domínio britânico na África e foi conquistado em 1903. Mas houve resistência à educação ocidental, e muitas famílias muçulmanas ainda se recusam a enviar seus filhos às "escolas ocidentais" operadas pelo governo.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O nordeste do país continua a ser um polo de aprendizado islâmico para crianças de toda a Nigéria e oeste da África, diz o ativista dos direitos humanos Shehu Sani. Suas madrassas não necessariamente encorajam o extremismo, mas orientaram a formação dos criadores do movimento Boko Haram, que adotam como lema a frase "quem não for governado pelo que Alá revelou está entre os transgressores", do Corão.

    Há quem acredite que o grupo tenha sido criado como resultado de uma campanha ao governo do Estado de Borno, quando um candidato oposicionista organizou uma milícia conhecida como Ecomog, a sigla que identificava a força de intervenção africana que operou na Serra Leoa e Libéria nos anos 90. Depois da eleição, o candidato debandou a Ecomog, mas nada fez para cuidar dos membros da milícia.

    Um dos líderes da Ecomog, Mohammed Yusuf, conseguiu explorar a frustração e decepção dos integrantes e combiná-la a uma agenda islâmica que rejeitava as falhas do governo laico, formando o Jama'atu Ahlis Sunna Lidda'awati wal-Jihad, ou "pessoas comprometidas para com a propagação das doutrinas do Profeta e a jihad".

    Na cidade de Maiduguri, no nordeste do país, onde a seita tinha seu quartel-general, ela ganhou o apelido de Boko Haram. Em tradução livre da língua hausa, o nome significa "a educação ocidental é proibida".

    Pobreza, desemprego e desespero ante a debilidade do governo central se provaram terreno fértil, entre os homens jovens e desencantados. Mesmo a mudança do clima teve influência: a seca do lago Chade levou muitas famílias que antes viviam da pesca a sair em busca de formas alternativas de ganhar a vida.

    Como muitos rebeldes sem causa, Yusuf não era pobre. Diz-se que ele tinha bom nível de educação e dirigia um Mercedes. Yusuf criou um centro de aprendizado religioso que incluía uma mesquita e uma escola islâmica, que atraíam muitas famílias muçulmanas pobres.

    Em 2009, o Boko Haram executou uma série de ataques contra edifícios oficiais em Maiduguri. As forças de segurança nigerianas contra-atacaram violentamente e mais de mil pessoas morreram, nem todas partidárias do Boko Haram. Yusuf foi capturado e morto, e seu corpo foi exibido na TV estatal. O governo declarou que o Boko Haram havia sido liquidado.

    Mas os combatentes da organização se reagruparam sob um novo líder.

    No ano passado, o presidente nigeriano Goodluck Jonathan declarou um estado de emergência em três Estados do nordeste, mas os críticos dizem que a resposta oficial foi contraproducente, e as execuções extrajudiciais e a tortura de suspeitos de pertencer ao Boko Haram ajudaram o grupo a recrutar novos membros.

    No mês passado, o Boko Haram ameaçou novos ataques, com consequências potencialmente catastróficas para a economia. Seu líder, Abudakar Shekau, ameaçou ataques contra as refinarias de petróleo do sul majoritariamente cristão, mas poucos analistas acreditam que o grupo represente ameaça à existência da Nigéria.

    Diversas campanhas de repressão do governo não conseguiram conter o movimento, e parece que 2014 será o mais sangrento ano da insurgência.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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