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    Plástica no nariz vira moda e símbolo de status no Irã

    SAMY ADGHIRNI
    DE TEERÃ

    11/05/2014 02h30

    A estudante Mitra, 19, achava que seu nariz não combinava com seu rosto. Foi suficiente para convencer os pais a pagar uma cirurgia plástica. "Ficou ótimo. Estou muito contente", alegra-se a moça.

    Ela guarda fotos tiradas após a operação, nas quais faz todo tipo de pose para mostrar com orgulho o curativo entre os olhos e a boca.

    Mitra é um típico exemplo de iraniana que cedeu à moda da plástica no nariz. A prática, disseminada em larga escala, denota busca por status social e autoestima num país obcecado pela aparência.

    As ruas das grandes cidades do Irã estão cheias de homens e mulheres que ostentam marcas da cirurgia. É visível a satisfação quando notam ser observadas. São comuns casos de gente que usa o curativo como enfeite, sem ter sido operada.

    O Irã se tornou um dos recordistas mundiais em operações do gênero, conhecidas como rinoplastias.

    Estatísticas oficiais não são divulgadas. Mas o jornal "Etemad" calcula que a média de operações chegue a 200 mil por ano, numa população de 75 milhões. O número de rinoplastias per capita é sete vezes maior do que nos EUA, que têm 317 milhões de habitantes, segundo estudo da Sociedade de Pesquisa Rinológica do Irã com a Universidade Johns Hopkins, em 2012.

    Antes reservadas à elite, as cirurgias no nariz banalizaram-se nos últimos dez anos, depois de hospitais públicos passarem a oferecer o procedimento a preços menores.

    Enquanto instituições estatais cobram US$ 350 por rinoplastia, algo próximo do salário mensal de uma secretária, a mesma operação pode sair por mais de US$ 1.500 em clínicas privadas.

    A fartura de oferta, alardeada por anúncios na mídia, parece reforçar o fenômeno de massa. Algumas justificativas para operação parecem descabidas ao olhar externo.

    A vendedora Hanieh, 23, foi operada para tentar curar uma depressão por ruptura amorosa. "Reduzi o nariz para melhorar meu astral", diz a moça, que acha "chique" andar com curativo.

    Já a contadora Soad, 31, optou pela cirurgia ao saber que a sogra a achava "horrorosa" por ter nariz avantajado. Soad gostou da nova aparência, mas o namoro não durou.

    Ambas tiveram operações traumáticas. "Após a cirurgia, vomitei tanto sangue que o chão da sala ficou vermelho. Acho que foi por causa da morfina que me deram por cima da anestesia", recorda Hanieh. Já Soad diz ter ficado com problemas respiratórios após a operação.

    O chefe da Associação de Cirurgia Plástica do Irã, Abolhasan Emami, disse ao jornal "Asre Iran" que metade das rinoplastias são desnecessárias. Emami também alertou para a falta de regulamentação no setor.

    Recente levantamento indicou que existem 5.000 médicos em Teerã que operam nariz, enquanto apenas 157 têm diploma de cirurgião.

    É comum ver iranianas com o rosto deformado por cirurgias malfeitas, que deixam o nariz tão pequeno e empinado a ponto de lembrar as feições do cantor Michael Jackson no fim da vida.

    VÉU ISLÂMICO

    O sucesso das plásticas no nariz é atribuído ao fato de o rosto ser a única parte que as iranianas podem exibir em lugares públicos. Por lei, elas são obrigadas a cobrir corpo e cabelo para sair na rua, como manda o regime islâmico no poder desde 1979.

    Para além das rinoplastias, iranianas usam maquiagem em quantidades e tons berrantes impensáveis para padrões ocidentais.

    "[No Ocidente], a mulher pode mostrar sua beleza de várias formas. Mas aqui o corpo é coberto, e o rosto fica apertado entre contornos do véu, o que faz qualquer defeito saltar aos olhos", diz a publicitária Sahar, 31.

    Ela diz lamentar a situação das funcionárias do Estado, impedidas até mesmo de se maquiar para trabalhar.

    À importância da estética do rosto soma-se a suposta propensão das iranianas em competir pela beleza, segundo Hossein Hojjat, famoso cirurgião plástico do interior. "Uma quer ser mais bonita que a outra. Tenho clientes de todas idades e meios, inclusive religiosas", afirma.

    A tendência também prolifera entre homens, que já respondem por um terço das operações, segundo médicos.

    O vendedor Hossein, 27, diz ter sido socialmente pressionado a reduzir seu nariz, que era "muito grande", segundo ele. "Nossa sociedade não é muito evoluída. Ter um problema de aparência traz complicações no dia a dia", diz.

    O engenheiro Ahmed, 32, discorda. Mesmo conhecido pelo nariz proeminente, ele se recusa a acatar pedido da mãe para ser operado. "Me sinto bem como sou. Além disso, essas cirurgias quase nunca dão bom resultado."

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