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    Hoje temos a oportunidade de chegar à paz com as Farc, diz presidente colombiano

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL À COLÔMBIA

    19/05/2014 02h00

    Mauricio Dueñas/Efe
    O presidente colombiano Juan Manuel Santos (centro participa de comício em Sabanalarga
    O presidente colombiano Juan Manuel Santos (centro) participa de comício em Sabanalarga

    Já quase sem esperanças de vencer as eleições do próximo domingo (25) no primeiro turno, o presidente colombiano Juan Manuel Santos usa seu espaço para defender o processo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).

    Iniciadas há 18 meses, as negociações avançam muito lentamente. Na última sexta (16), um novo acordo para pôr fim ao cultivo de drogas ilícitas foi firmado entre as duas partes. Ainda assim, cerca de 60% da população resiste às principais propostas de Santos: dar representatividade política à guerrilha e promover uma espécie de anistia.

    "Fazer a paz significa passar por esses acordos. É preciso trocar as balas pelos votos", afirma.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Seu principal opositor no pleito, Óscar Ivan Zuluaga, foi lançado pelo antigo aliado e atual rival de Santos, o ex-presidente Álvaro Uribe. Zuluaga defende uma política de linha-dura com a guerrilha. Sua vitória poderia pôr um ponto final no processo de paz.

    Pesquisas divulgadas na última semana apontam para um segundo turno, com os dois candidatos praticamente em empate técnico. Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista que Santos concedeu à Folha, por e-mail.

    *

    Folha - Que avaliação o sr. faz de sua gestão? Por que crê que precisa de um segundo mandato?
    Juan Manuel Santos - Nesses quatro anos, cumprimos os objetivos aos quais nos propusemos e que os colombianos apoiaram.

    Baixamos a taxa de desemprego e a pobreza extrema a porcentagens de um só dígito, fortalecemos nossa economia, assumimos um papel mais relevante no plano internacional, melhoramos todos os indicadores de segurança e começamos um processo de paz que pode nos levar, por fim, ao término do conflito armado no nosso país.

    Estou aspirando a um segundo mandato precisamente porque sou consciente de que alcançamos muito, mas queremos terminar a tarefa dando continuidade às políticas que iniciamos.

    Hoje temos a oportunidade real de alcançar a paz e não podemos desaproveitá-la. Hoje podemos avançar até metas muito mais ambiciosas, como ser a nação mais educada da América Latina ou erradicar a pobreza extrema em uma década.

    As negociações com as Farc avançaram muito, mas agora enfrentam resistências. Muitos colombianos se manifestam contra o perdão a muitos dos ex-guerrilheiros, e que estes possam ter representação no Parlamento. Qual é sua resposta a eles?
    Não cabe dúvida de que é melhor que aqueles que não concordem o façam desde o cenário da democracia do que no lugar de fazê-lo com armas e violência.

    É verdade que a muitos colombianos custa imaginar que os guerrilheiros de hoje possam algum dia fazer política, mas isso é o que significa a paz, para isso se faz um acordo de paz: para que se troquem as balas pelos votos, e ninguém imponha seus ideais pela força.

    Eu tenho segurança de que quando os colombianos avaliarem o acordo final a que cheguemos, assim como as enormes vantagens de terminar o conflito armado, vão entender e vão apoiar.

    A economia colombiana deu um grande salto nos últimos anos e ameaça ser maior do que a da Argentina. Qual foi a estratégia para chegar a esse bom resultado?
    Partimos de um modelo de terceira via que sempre defendi e que se resume a esta frase: o mercado até onde seja possível e o Estado até onde seja necessário.

    Digo, combinamos em justa medida um apoio à iniciativa privada, incluindo o investimento nacional e o estrangeiro, e a intervenção do Estado para apoiar setores e população vulneráveis.

    Uma coisa muito importante tem sido a adoção, por reforma constitucional, de uma política de sustentabilidade fiscal que nos obriga a manter as finanças públicas saneadas, economizando nos momentos de bonança e investindo os recursos de forma responsável.

    Hoje temos uma economia com um nível recorde de exportações e de investimento estrangeiro direto, com a menor inflação dos últimos 50 anos, e pudemos diminuir o desemprego, mês após mês, consistentemente, durante os últimos 4 anos.

    Como o sr. vê os vínculos econômicos da Colômbia com o Brasil? Entre os investimentos estrangeiros, qual o peso das empresas brasileiras?
    Os vínculos comerciais e de investimento entre Brasil e Colômbia passam por um bom momento.

    Nossas exportações ao gigante sul-americano, por exemplo, cresceram 23% entre 2012 e 2013 e se aproximaram, no ano passado, de US$ 1,6 bilhão. Também recebemos com alegria o investimento das empresas brasileiras que, em 2012, foi de US$ 383 milhões, e em 2013, de US$ 271 milhões.

    Obviamente, há muito campo para que sigamos investindo em setores como os de biocombustíveis, de metal-mecânica, moda, software, tecnologia, petróleo e mineração.

    Como o sr. vê a situação da Venezuela hoje? Crê que há mais ambiente para o diálogo entre o governo e a oposição do que no passado?
    A situação da Venezuela, como país vizinho e amigo, nos preocupa e afeta, e temos feito respeitosos chamados ao diálogo.

    Hoje acompanhamos o esforço da Unasul de aproximar o governo venezuelano com as forças sociais e de oposição em conversações que esperamos ter êxito para solucionar a crise.

    Como o sr. vê a relação entre poder e imprensa na América Latina? Tem uma opinião sobre o conflito entre a mídia e os governos de Argentina, Equador e Venezuela?
    Eu exerci o jornalismo, e, como jornalista e democrata, sempre entendi a liberdade de imprensa como uma garantia das demais liberdades, que temos de defender e proteger.

    Na Colômbia essa liberdade é garantida pelo Estado, e protegemos cada dia mais os jornalistas das ameaças que podem surgir de atores à margem da lei.

    Com relação à situação de outros países do continente, respeitosamente prefiro não me pronunciar.

    O sr. esteve muito presente nas homenagens a Gabriel García Márquez. Como avalia sua importância para a cultura e para a literatura?
    Gabriel García Márquez revolucionou não somente a literatura latino-americana como a literatura do mundo, e teve a virtude de retratar a alma do Caribe e da América Latina com uma linguagem e uma arte narrativa certamente inigualáveis.

    Obviamente, na Colômbia lamentamos muitíssimo a sua morte, e procuramos honrar sua memória como merece o colombiano mais universal de nossa história.

    O sr. vê como possível uma reconciliação com o ex-presidente Álvaro Uribe?
    De minha parte, não o descarto. Seria muito melhor para o país se pudéssemos contar com o concurso construtivo do hoje senador eleito Álvaro Uribe em temas como a paz, a segurança e a promoção da confiança de investimentos.

    Infelizmente, ele assumiu posições muito radicais que o afastam dessa possibilidade.

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