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    FBI prende acusado de roubo no JFK em 1978, o maior da história dos EUA

    ANÉLIO BARRETO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    24/05/2014 02h00

    O crime perfeito: seis homens armados, três deles encapuzados, cometem o maior roubo em dinheiro vivo da história dos EUA, 36 anos atrás: US$ 6 milhões "cash" e US$ 1 milhão em joias. O equivalente, hoje, a pouco mais de US$ 21 milhões. E vão morrendo, assassinados.

    O "capo" da operação (mafiosos, claro, da família Lucchese, de Nova York) nunca foi preso por isso, e o dinheiro recuperado foi mínimo.

    Se isso lhe parece familiar, tem razão: é a história que Martin Scorsese conta em seu filme "Goodfellas" (no Brasil, "Os Bons Companheiros"), de 1990. Só que agora a história vem para a vida real: o FBI prendeu neste ano Vincent Asaro, 78 anos, um dos planejadores da ação. Que, apesar de se dizer inocente, teria confirmado: vários assaltantes foram mortos por companheiros para não levarem a polícia ao "capo".

    Justin Lane/Efe
    Acusado de planejar o roubo, que ocorreu em 1978, Vincent Asaro, de 78 anos, é preso pelo FBI em janeiro
    Acusado de planejar o roubo, que ocorreu em 1978, Vincent Asaro, de 78 anos, é preso pelo FBI

    O campo da ação foi o aeroporto JFK, que, em termos criminais, estava sob controle das famílias Gambino e Lucchese. John Gotti, o "capo" Gambino, deu permissão para que os Lucchese fossem em frente. Mas não de graça: Gotti deveria receber US$ 250 mil e ainda acrescentaria um de seus pistoleiros ao grupo, para garantir seus interesses.

    A presença de Asaro mostra, agora, que a família Bonano também participou.

    Chegaram ao terminal da Lufthansa às 3h de 11 de dezembro de 1978, usando uma van e um "crash-car", para trombar com os carros de polícia que eventualmente os perseguissem. Seu motorista era Frank Burke.
    Três homens armados, vestindo roupas escuras e máscaras de esqui, entraram no terminal.

    Dez funcionários da Lufthansa foram rendidos, algemados e obrigados a deitar-se no chão. Os assaltantes sabiam o que iriam encontrar, pois tinham um informante.

    O informante, Louis Werner, funcionário da Lufthansa, tinha grande dívida com o bookmaker Martin Krugman, que trabalhava para o capo James "Jimmy The Gent" Burke, dos Lucchese, o coordenador de toda a ação, interpretado por Robert De Niro em Goodfellas (dizem que Jimmy ficou tão feliz quando soube que De Niro faria seu papel, com o nome de Jimmy Conway, que ligou para ele dando dicas. Mas isso foi negado pela assessoria do ator).

    O supervisor do grupo de funcionários foi obrigado a desativar os alarmes e abrir a porta que dava entrada a veículos com grandes volumes. As sacolas com dinheiro e joias foram colocadas na van. O dinheiro, de um banco da Alemanha, era destinado a outro banco, em Nova York.

    ANONIMATO

    Foram presos recentemente Asaro e quatro membros da família Bonano, resultado da ação do FBI e de ao menos quatro mafiosos que estão colaborando com a polícia.

    A Máfia ainda tem cinco famílias agindo em Nova York ""Genovese, Gambino, Lucchese, Bonano e Colombo"" mas, devido principalmente ao terrorismo, caíram em importância na escala de preocupações das autoridades.

    Um detetive aposentado, que durante mais de 20 anos agiu contra essas famílias, diz que o comportamento delas mudou. Se antes faziam questão de frequentar páginas de jornais, agora procuram o anonimato e até atividades legais. E muitos falam com a polícia, ao contrário dos antecessores. A lei de silêncio absoluto que valia então hoje não passa de sugestão.

    "Jimmy the Gent" não participou em pessoa do roubo. Planejou-o (dizem que com ajuda de Asaro) e ficou esperando o resultado. O apelido, "Jimmy, o Cavalheiro", ele ganhou roubando cargas de caminhões no início da carreira: ficava com a habilitação dos motoristas e lhes dava US$ 50 pelo inconveniente.

    Burke esperava os assaltantes numa garagem, e lá passou o dinheiro e as joias para um terceiro carro, com o qual, junto com seu filho Frank, levou tudo a outro local. Só então se deu conta do volume do roubo: esperava até US$ 2 milhões e tinha quase US$ 6 milhões nas mãos. Ficou paranoico: sabia que a polícia viria com tudo.

    Sua parte ficou em torno de US$ 4 milhões. Cerca de US$ 2 milhões ele deu a Paul Vario, descrito pelo "New York Times" como um capo da família de "Tony Ducks" Corallo. Os outros receberam cerca de US$ 50 mil, e poucos viveram mais de seis meses.

    O primeiro a morrer foi Parnell Edwards. Ele se encarregou da van e deveria levá-la a um desmanche em Nova Jersey, onde seria compactada e jogada no ferro-velho. Em vez disso, deixou-a num local de estacionamento proibido e foi ver a namorada.

    No dia seguinte a polícia a achou, com digitais dele, as máscaras de esqui e jaquetas usadas no assalto, além de uma pegada de seu tênis Puma. Parnell foi descoberto uma semana depois, morto a balas em seu apartamento.

    Quando souberam o valor do roubo, os participantes insistiram em receber mais. Burke sabia que uma ação dessa magnitude atrairia a atenção das polícias e que muitas testemunhas poderiam incriminá-lo. Depois de Parnell, concentrou-se nas outras.

    Uma delas foi Theresa Ferrara, produtora de cosméticos que foi amante de Tommy DeSimone, um dos implicados, e Paul Vario. (Em "Goodfellas", DeSimone, como Tommy DeVitto, é interpretado por Joe Pesci, Oscar de melhor ator coadjuvante.)

    Nas horas vagas, Theresa traficava drogas e foi acusada de ser informante do FBI. Meses depois, em 1979, seu corpo desmembrado foi encontrado em Nova Jersey.

    Louis Cafora, conhecido como Fat Louie, e sua mulher, Joanna, que teriam se tornado informantes, desapareceram também em 1979. Outros envolvidos, como Robert McMahon, supervisor do JFK, Joe Manri, que o acompanhava, e Paolo LiCastri, traficante de heroína, foram todos achados mortos no Brooklyn.

    Martin Krugman, o bookmaker que passou a informação sobre a carga da Lufthansa para Burke, desapareceu poucos dias depois. E aqui entra Henry Hill (interpretado por Ray Liotta, um dos principais personagens de "Goodfellas"), grande amigo de "Jimmy the Gent" Burke.

    Hill foi da família Lucchese de 1955 a 1980, quando o FBI o prendeu por tráfico. Ele se tornou informante, para evitar uma pena maior, e foi posto no programa de proteção a testemunhas. Segundo Hill, Krugman morreu porque tinha US$ 500 mil a receber pelo assalto, e Burke jamais aceitaria dar-lhe o dinheiro.

    Hill deu importantes informações sobre um bar da família Bonano, o Robert's Lounge. Ficava perto do JFK, servia de depósito para cargas roubadas e tinha um campo de bocha. Embaixo do campo, disse Hill, havia um cemitério de vítimas de Burke.

    O FBI começou a cavar, e corpos foram aparecendo. O número de pessoas que Burke matou ou mandou matar está longe de ser preciso. Há quem fale em mais de 50.

    Mas ele só foi condenado pelo assassinato de Richard Eaton, outro dos envolvidos. O testemunho de Hill foi definitivo para Burke pegar prisão perpétua, em 1985. Ele morreu na prisão, de câncer no pulmão, em abril de 1996.

    Em 2004, o FBI prendeu "Big Joey" Massino, chefe da família Bonano desde 1991 e considerado então o último grande "capo" em liberdade. Ele testemunhou duas vezes para o governo e acredita-se que tenha sido o responsável pela prisão de Asaro. Condenado à perpétua, Massino teve a sentença reformulada em 2013 e foi posto em liberdade vigiada enquanto viver.

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