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    Reino Unido adere ao coral de rejeição à União Europeia que toma o continente

    MARTIN KETTLE
    DO "GUARDIAN"

    26/05/2014 11h03

    O Reino Unido gosta de pensar que segue um tom político diferente daquele que prevalece no resto da Europa. Mas a eleição de 2014 para o Parlamento Europeu gerou um grande paradoxo político. Neste pleito, um
    número recorde de eleitores britânicos votou no Partido pela Independência do Reino Unido (Ukip), a principal agremiação antieuropeia
    do país.

    E, no entanto, ao votar contra a Europa os eleitores britânicos jamais pareceram mais integrados à corrente dominante europeia do que nesta manhã. Em toda a Europa, de uma maneira ou de outra, os eleitores da maioria dos países fizeram exatamente a mesma coisa.

    A União Europeia jamais enfrentou uma crise de legitimidade como aquela que irrompeu nas cabines de votação da Europa neste final de semana. De Aberdeen a Atenas, de Lisboa a Leipzig, e tanto nos países que fazem parte da zona do euro quanto nos que não fazem, as eleições europeias de 2014 foram uma revolta descoordenada mas comum contra as prioridades do projeto europeu no período pós-crash.

    Essa eleição não foi uma revolta do Reino Unido contra a União Europeia. Foi uma revolta dos eleitores europeus contra a União Europeia e contra os partidos governantes nacionais. E os eleitores britânicos são simplesmente parte dela.

    Isso não vale dizer que o levante popular nas urnas tenha sido completamente triunfante. Não é o caso, e é extremamente importante não exagerar sua vitória. Na maioria dos países membros da União Europeia, e mesmo no Reino Unido, onde o ceticismo quanto à Europa é tradicionalmente mais forte, a maioria dos eleitores - em uma eleição na qual o comparecimento às urnas foi lamentável - votou em partidos que apoiam a União Europeia e desejam a sobrevivência do projeto europeu, reformado ou não.

    Mesmo hoje, e até no Reino Unido, os eleitores acreditam que é melhor manter a união da Europa. Isso não será grande consolo para os liberais democratas, enquanto estes avaliam os destroços. Mas as forças de
    oposição à União Europeia, mesmo se somadas a esquerda antieuropeia e a direita antieuropeia, continuam muito mais fracas do que o total de
    pessoas que apoiam o projeto.

    Mas não pela mesma margem que existia no passado. Não podemos considerar a eleição, em qualquer sentido significativo, como uma vitória para os partidos pró-europeus ou para o projeto europeu que eles acalentam e querem levar adiante.

    Esses partidos não contam com mandato claro, agora. A revolta contra o sistema pode não ter conquistado maioria, mas certamente mudou as realidades políticas da Europa. A crença reflexiva da elite europeia de que a resposta a toda crise é "mais Europa" jamais havia sofrido desafio tão fundamental quanto nestas eleições. Ignorar ou desafiar essa revolta seria suicida.

    Na noite passada, o líder do Partido do Povo Europeu, o agrupamento de centro-direita no Parlamento Europeu que conta com o apoio da União Democrata Cristã da primeira-ministra alemã Angela Merkel, alegou vitória nas urnas, em um prelúdio para a campanha de instalar Jean-Claude Juncker como novo presidente da Comissão Europeia, em substituição a José Manuel Barroso, também de centro-direita.

    Mas as projeções indicam que o partido conta com apenas 211 dos 751 assentos do novo Parlamento, ante 263 dos 711 no mandado encerrado. Sob qualquer critério, isso representa uma derrota, não uma vitória.

    Impor Juncker agora seria um erro catastrófico. Mesmo que somarmos a base do outro grande grupo pró-União Europeia, osSocialistas Europeus, ao Partido do Povo Europeu, essa eleição continua
    a ser um revés para os grandes partidos.

    Os socialistas, que incluem os trabalhistas britânicos - cujo desempenho no país foi bom, se comparado ao seu desastre em 2009, o que mais uma vez demonstra que o centro está
    em geral deslizando para a esquerda, agora -, obtiveram 193 assentos ante os 163 da eleição passada.

    Mas os dois partidos somados ainda perderam com relação aos partidos à margem, um padrão familiar na política britânica do último meio século e agora um padrão firme também em outras partes da Europa.

    Em todos os países, os partidos que se opõem ao sistema conquistaram avanços nesta eleição. Em cada país, a revolta tomou forma diferente, refletindo as condições locais. Na Grécia, o Syriza, um partido de esquerda e inimigo da austeridade, liderou nas urnas, com 26,7% dos votos. Na Irlanda, o Sinn Fin foi o beneficiário, em detrimento do Fine Gael, Na Bélgica esse papel coube ao partido dos separatistas flamengos.

    Na França, onde vem crescendo o ceticismo com relação à Europa, a Frente Nacional, de direita, inimiga da imigração e da austeridade, foi a grande vencedora, com 25%. Na Dinamarca, as pesquisas de boca de urna atribuem a vitória ao Partido do Povo Dinamarquês, também cético quanto à Europa, com 23,1% dos votos.

    Em todos os casos, como no do Ukip, e desta vez incluindo também, a Escócia e o País de Gales e não só a Inglaterra, a revolta contra os partidos governantes foi substancial mas não conquistou maioria.

    Da mesma forma que os partidos estabelecidos britânicos estão lutando por compreender a mensagem da revolta e encontrar maneiras de se reaproximar das pessoas que optaram pelo voto de protesto, suas contrapartes na União Europeia enfrentam a mesma tarefa em nível nacional e europeu. Até Merkel precisa observar a silenciosa revolta na Alemanha.

    Agir como se nada tivesse acontecido seria loucura, mas isso tem precedentes. O grande teste da classe política europeia depois dessa eleição é determinar se eles serão capazes de substituir "mais Europa" por "Europa reformada". E disso todos os nossos futuros dependem, em maior ou menor grau. O mesmo vale igualmente para o Reino Unido.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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