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    O papel das mulheres na oposição do Egito

    PATRICK KINGSLEY
    DO "GUARDIAN", NO CAIRO

    27/05/2014 11h27

    Durante a campanha eleitoral, o próximo presidente egípcio, Abdel Fatah al-Sisi, dirigiu boa parte de sua atenção às mulheres. Elas são "a voz calma, suave e racional na casa", ele declarou em uma entrevista. "E agora estou pedindo que preservem sua casa mais ampla: o Egito".

    Ontem (26 de maio), as mulheres em diversos locais de votação do norte do Cairo pareciam estar respondendo ao seu apelo, com presença em número muito superior ao dos eleitores homens. Mas um grupo de mulheres ficou em casa - a ala feminina da Irmandade Muçulmana, que boicotou a eleição.

    Se os últimos 11 meses foram brutais para a Irmandade, também foram transformadores para as mulheres que há muito operam à sua sombra: a Confraria Muçulmana. Não muito tempo atrás, esse era um grupo que raramente protestava por conta própria e em geral tinha liderança masculina.

    Agora, algumas de suas integrantes se reúnem praticamente a cada dia em campi universitários para protestos coordenados e assistidos exclusivamente por mulheres - e às vezes elas saem às ruas.

    "As garotas agora podem dizer o que pensam, e realizam manifestações por conta própria", diz uma jovem integrante, Fatima. "Isso jamais tinha acontecido antes".

    E a nova situação levou algumas delas a exigir papel mais amplo no seio da Irmandade Muçulmana como um todo. "As coisas não podem continuar como no passado, quando éramos cegamente leais", diz Fatima.

    "Estamos sendo detidas, estamos sendo atacadas nas ruas - e por isso precisamos ter alguma influência nas decisões".

    Fundada em 1930, menos de uma década depois da Irmandade Muçulmana, a Confraria Muçulmana antes se concentrava em trabalho social. Os membros da Irmandade Muçulmana muitas vezes expressam opiniões profundamente regressivas sobre o papel da mulher na sociedade.

    As integrantes da Confraria jamais foram admitidas como membros do conselho diretivo da Irmandade, e não têm voto nas decisões internas. Agora, as integrantes mais jovens do movimento vêm dizendo cada vez mais que deveriam ter ambos os direitos.

    "Estávamos acostumadas a desempenhar papel secundário", diz Sarah Kamal, uma estilista na casa dos 20 anos que é parte da organização. "Tanto homens quanto mulheres estavam acostumados a ver as mulheres desempenhando papel secundário. Mas isso certamente está mudando".

    O ponto de inflexão surgiu em agosto do ano passado, depois do massacre de centenas de partidários da Irmandade no acampamento de protesto de Rabaa al-Adawiya, seguido pela detenção de milhares de membros dos escalões superiores da organização.

    Em entrevistas oficiais, representantes da Irmandade na Europa afirmam que a estrutura hierárquica da organização continua intacta.

    Na prática, a repressão pós-Rabaa deixou poucos líderes em liberdade e por isso os escalões inferiores ganharam mais autonomia - na Confraria e no restante da organização.

    "Um dos problemas da Irmandade antes da revolução, ou mesmo antes de Rabaa, era que a juventude não estava muito envolvida nas decisões.

    Mas depois do golpe, e depois de Rabaa, muitos dos líderes foram detidos. Com isso as coisas mudaram", diz Sara Mohamed, estudante que deixou a Confraria por causa de sua atitude para com as mulheres mas ainda tem forte conexão com seus integrantes.

    Muitos membros falam do efeito sísmico que o massacre teve sobre o grupo, em termos tanto psicológicos quanto operacionais. "Ele nos fez repensar todo nosso modo de pensar - em termos externos e internos", diz Kamal. "Somos contra as detenções [dos líderes], mas é de nosso interesse que o grupo trabalhe sem liderança, porque isso nos dá espaço para pensar sem a velha rotina".

    Se os líderes da Irmandade foram libertados, ninguém pode prever se a hierarquia permanecerá intacta ou se as mulheres desempenharão papel maior.

    "Quando voltarmos a nos erguer, se Deus quiser a velha forma de trabalhar não fará efeito", disse Kamal. "Não deveríamos simplesmente receber ordens, sem que nos consultem. E acredito que o movimento jovem será a principal força de poder". De outra forma, de acordo com Fatima, "haverá uma revolução dentro do grupo".

    Mas nem todo mundo concorda. De acordo com Hoda Abdel Moneim, uma líder da Confraria, as mulheres há muito têm papel ativo na Irmandade e não precisam ser parte de sua liderança. "Sempre tivemos um papel - antes, durante e depois dos [recentes] acontecimentos", ela afirma.

    Nota: alguns dos nomes foram alterados por motivos de segurança.

    Nota: Colaboraram MANU ABDO E LOTFY SALMAN

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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