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    Análise: Alto índice de abstenção no pleito é humilhação para o 'deus' Sisi

    CLÓVIS ROSSI
    COLUNISTA DA FOLHA

    30/05/2014 02h00

    Para quem, como é o caso do general Abdel Fattah al-Sisi, havia exigido 40 milhões de votos (ou cerca de 80% dos 54 milhões de eleitores registrados), a enorme abstenção constitui uma humilhação talvez irreparável.

    Contagem extraoficial informa que compareceu às urnas a metade, pouco mais ou pouco menos, do quórum que Sisi definira como necessário para lhe conferir um mandato para reformar profundamente um país sob crise política, social e econômica.

    Interpretação do escritor e analista Mahmoud Salem para o precioso site Al Monitor: "O deus que a mídia criou sangrou e, quando um deus sangra, ninguém mais acredita na sua natureza divina".

    Mais: "Seu apoio supostamente espalhado pelo país está agora severamente em dúvida, assim como sua capacidade gerencial e a ilusão de que o país seguirá sua liderança".

    A abstenção, além de humilhar o ditador, é uma clara demonstração de que o Egito está profundamente dividido em ao menos três grupos.

    Dois deles boicotaram o pleito (os seguidores da Irmandade Muçulmana e os laicos da sociedade civil que foram a ponta de lança do movimento que levou à queda de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011).

    O terceiro são os que acreditam nos militares e, por extensão, em Sisi.

    Define-os o escritor Magdi Abdelhadi: "Não há dúvida de que Sisi é um nacionalista conservador e autoritário. Mas, nisso, ele está bastante sintonizado com muitos egípcios", declarou.

    Do que tampouco há dúvida é de que se trata de uma ditadura, uma espécie de Mubarak 2.0.

    AUTORITARISMO

    Escreve, também para Al Monitor, Zenobia Azeem, que se especializou na observação de eleições:

    "Nada no presente ambiente político do Egito favorece eleições abertas e multipartidárias, que permitam a plena e igual participação de todos os egípcios e preservem a liberdade da mídia local e internacional para informar objetivamente".

    Como parece inevitável que Sisi tenha que se reconectar com as instituições islâmicas, o autoritarismo só tende a ser reforçado como escreve, para "Foreign Affairs", Robert Springborg, professor de Assuntos de Segurança Nacional na Escola Naval de Pós-graduação.

    "O Egito de Sisi será aquele em que a religião reforçará o autoritarismo militar e servirá para justificar a repressão dos oponentes, mais especialmente daqueles políticos que, paradoxalmente, são também embebidos pelo islã", diz.

    É uma alusão ao fato de que a Irmandade Muçulmana, outra grande instituição ao lado dos militares, está banida e e seus membros são vítimas de uma feroz repressão.

    Daí vem o Mubarak 2.0: o ditador afastado tolerava a Irmandade, embora proscrita.

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