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    Opinião: Comparação de Israel com apartheid, feita por fundadores do Pink Floyd, é irresponsável

    ROGER COHEN
    ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"

    03/06/2014 01h30

    O desconhecimento da história é um convite para revivê-la. Mas a evocação superficial da história pode ser igualmente perigosa. O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, enxerga Chamberlain, Munique e 1938 por toda parte. Ele o fez na década de 1990, quando se opôs à tentativa de Yitzhak Rabin de fazer a paz com os palestinos por meio dos acordos de Oslo, e o faz agora, quando se opõe a um acordo nuclear com o Irã. Netanyahu está errado nos dois casos.

    Já os adversários de Israel enxergam o apartheid em toda parte no tratamento dado pelo Estado israelense aos palestinos. Também eles estão equivocados. Eu conheci o apartheid na África do Sul. Pude testemunhar como sua perseguição implacável era codificada e aplicada. A opressão dos palestinos por Israel não constitui um apartheid renascido na Terra Santa, sejam quais forem seus ecos na Cisjordânia.

    Recentemente Roger Waters e Nick Mason, os fundadores do Pink Floyd, vêm se manifestando energicamente para falar do suposto "apartheid" israelense, criticando um show de Mick Jagger, Keith Richards e os outros membros do Rolling Stones em Tel Aviv. "Apresentar-se em Israel hoje é o equivalente moral a tocar em Sun City no auge do apartheid sul-africano", escreveram.

    Waters descreve Israel como um regime de "apartheid racista" e em mais de uma ocasião já comparou a situação dos palestinos à dos judeus na Alemanha nazista. "Não é um cenário novo", disse à revista "Counterpunch" em 2013, aludindo a Berlim após 1933, "só que desta vez é o povo palestino que vem sendo assassinado".

    Jagger tem razão em se apresentar em Tel Aviv, se não por qualquer outro motivo, como protesto poderoso contra essas acusações. Os judeus sofreram extermínio sistemático e industrializado pelos nazistas. Não existe em Israel nenhum paralelo com isso. Ponto final. Sugerir que existe equivale a algo muito pior que descuido intelectual -é uma forma de calúnia moral.

    A analogia inexata ganha aceitação porque o "muro do apartheid", as "estradas do apartheid", as demolições de casas e o confisco de terras na Cisjordânia, sem falar na ampliação implacável dos assentamentos israelenses ali, contam uma história irrefutável de opressão e humilhação de um povo por outro.

    Mesmo assim, os palestinos que são cidadãos israelenses -cerca de 20% da população- gozam de direitos que teriam sido impensáveis na África do Sul do apartheid (e que são raros entre as minorias no Oriente Médio), mesmo que a discriminação e o preconceito existam, tanto abertos quanto sutis. Eles são representados no Parlamento e na Suprema Corte. Mesmo na Cisjordânia ocupada, onde os palestinos não são cidadãos e as humilhações grandes e pequenas são corriqueiras, a crueldade sistemática do apartheid -os desaparecimentos, os enforcamentos ordenados pela Justiça- não fazem parte do cotidiano.

    As distinções têm importância, e as intenções também. Ao exortar os Rolling Stones a não tocarem em Tel Aviv, Waters e Mason citaram seu apoio ao movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções, descrevendo-o como "um movimento global, crescente e não violento pelos direitos humanos" que visa acabar com "a ocupação, a discriminação racial e a negação dos direitos palestinos básicos cometidas por Israel".

    O objetivo declarado do movimento é, na realidade, pôr fim à ocupação, reconhecer os direitos de plena igualdade dos cidadãos árabe-palestinos de Israel e lutar pelo direito de retorno de todos os refugiados palestinos. O primeiro objetivo é essencial para o futuro de Israel. O segundo é louvável. O terceiro, somado ao segundo, equivale ao fim de Israel como Estado judaico. É essa a agenda oculta do movimento a razão pela qual não confio nele.

    O movimento contra o apartheid não precisou lidar com qualquer ambiguidade desse tipo. As pessoas que defendiam o desinvestimento na África do Sul não tinham outra agenda senão a libertação de uma maioria negra oprimida e a concessão de direitos a ela. O movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções pode facilmente ser dominado por antissemitas fazendo-se passar por antissionistas, pessoas que podem canalizar a busca pela paz numa direção que, em última análise, assinalará o fim de Israel como lar nacional para os judeus.

    O papa Francisco encontrou mais ou menos o ponto de equilíbrio correto. Foi o primeiro líder do Vaticano a deitar uma coroa de flores no túmulo de Theodor Herzl, o fundador do sionismo moderno. Num gesto de solidariedade com os palestinos, ele também encostou sua testa na barreira de concreto, marcada por pichações, que separa Belém de Jerusalém. O objetivo do sionismo foi criar não apenas um lar nacional judaico, mas um Estado regido por leis; Israel só poderá sê-lo quando terminar o empreendimento ilegal mais além da Linha Verde.

    Uma mensagem nuançada foi transmitida pelo papa. A mensagem de Waters e Mason é falsa e improdutiva. A mensagem dos Rolling Stones aos judeus e árabes de Tel Aviv é apropriada: "Nem sempre conseguimos o que queremos, mas, se tentarmos, em algum momento poderemos descobrir que conseguimos aquilo que necessitamos".

    Envie comentários para intelligence@nytimes.com

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