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    China ainda consegue esconder massacre que completa 25 anos

    MARCELO NINIO
    DE PEQUIM

    04/06/2014 15h23

    Espremidas em uma fila longa e demorada, duas turistas chinesas se perguntavam qual seria o motivo da segurança ultra-reforçada para entrar na praça da Paz Celestial, no coração de Pequim, nesta quarta (4).

    Tentando ajudar, um chinês de trajes simples que está um passo à frente arrisca um palpite: "Deve ser alguma data comemorativa do Mao Tsé-tung". Não era.

    O mausoléu do líder comunista, onde seu corpo embalsamado permanece em exposição há 38 anos, fica a poucos metros. Mas as medidas extras de segurança nada tinham a ver com ele.

    A data era o aniversário de 25 anos do massacre da Praça da Paz Celestial, 4 de junho, um dos eventos mais dramáticos da história recente da China e, ao mesmo, tempo ignorado por muitos, como os turistas da fila.

    Mesmo em plena era das redes sociais e da comunicação instantânea, o governo chinês conseguiu manter boa parte da maior população do planeta alheia ao que houve há 25 anos.

    Na madrugada de 4 de junho de 1989, o Exército abriu fogo para colocar fim ao protesto pró-democracia que ocupara a praça durante sete semanas. A ação terminou com centenas, talvez milhares de mortos. O número nunca foi revelado.

    Em Hong Kong, território que pertence à China mas mantém certa autonomia política, um público recorde de 180 mil pessoas, segundo os organizadores, participou de uma vigília com velas acesas para lembrar o aniversário do massacre.

    "Vamos mostrar nosso mar de luzes a Xi Jinping [líder chinês]. Lutemos até o fim!", conclamou Lee Cheuk-yan, presidente da Aliança de Apoio a Movimentos Democráticos na China.

    Na China, o silêncio foi mantido à força. Correspondentes estrangeiros com longa experiência no país contam que jamais o governo se esforçou tanto como neste ano para evitar que o aniversário fosse lembrado.

    Mais de 60 ativistas foram presos nas últimas semanas. O controle à internet aumentou. Só uns poucos parentes de vítimas do massacre foram autorizados a visitar os túmulos, e mesmo assim sob forte vigilância.

    "Isso mostra que as autoridades ainda não tem coragem de encarar os erros que cometeram há 25 anos", disse Zhang Xianlin, uma das fundadoras do grupo "Mães de Tiananmen".

    Em 1989, quando ocorreram os protestos pró-democracia que levaram à violenta intervenção do Exército, a praça da Paz Celestial (Tiananmen, em mandarim) ainda era aberta, sem as cercas que hoje a contornam, muito menos as barreiras de segurança com raio-x.

    Nesta quarta, o controle foi redobrado. A triagem era feita um a um, com cuidadosa revista, checagem de documentos e um pequeno interrogatório sobre a razão de cada pessoa estar ali.

    Blindados da polícia e do Exército foram posicionados nas proximidades e jipes ocupados por soldados armados com fuzis davam voltas em torno da praça em patrulha constante.

    Centro do poder e símbolo do Estado chinês, a praça da Paz Celestial é um destino imensamente popular entre chineses de todo o país, e muitos a visitavam pela primeira vez, sem fazer ideia do aniversário.

    A receita do governo para manter o público longe do assunto inclui repressão, censura e ênfase no crescimento econômico, que tirou 500 milhões de pessoas da pobreza desde 1978.

    Hoje a China tem a maior população do mundo na internet, mais de 600 milhões de usuários, além de 500 milhões de aparelhos de celular. Mas o acesso em massa à tecnologia é acompanhado por um severo controle do governo sobre o fluxo de informações.

    Para driblar a censura e visitar sites bloqueados no país, como Facebook e Youtube, o usuário precisa comprar um software de acesso remoto (VPN, na sigla em inglês), mas o custo o torna proibitivo para a maioria dos chineses.

    "Além disso, a oferta de entretenimento gratuito na internet é tão grande que as pessoas não se interessam por outras coisas", disse à Folha uma blogueira de 22 anos, pedindo para ser identificada apenas pela letra T.

    Na praça, turistas chineses pareciam conformados com as medidas de segurança, fascinados por estar no ponto mais importante do país.

    Camponeses, identificados pela cor mais escura da pele habituada ao trabalho no campo, operários de cidades-satélite, servidores públicos de províncias longínquas, esperavam na fila sob o sol quente a vez de passar pela revista e o questionário.

    Esgotada a paciência, dois deles, 20 e poucos anos, pularam a cerca e entraram correndo na praça, sendo logo alcançados por seguranças à paisana. Após sofrer uma reprimenda, voltaram ao fim da fila.

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