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    'Alguns lugares da Colômbia ainda estão na Idade Média', diz jornalista

    SYLVIA COLOMBO
    ENVIADA ESPECIAL A BOGOTÁ

    11/06/2014 02h00

    Principal jornalista da Colômbia, ganhador do Moors Cabot e outros prêmios internacionais, articulista do "El Espectador", Daniel Samper Ospina, 71, é também uma figura central da política colombiana.

    Irmão do ex-presidente Ernesto Samper, participou, em 2009, da operação brasileira para a liberação de sequestrados das Farc.

    Em entrevista à Folha, Samper Pizano disse que alguns lugares da Colômbia ainda vivem "como na Idade Média" e que Santos seria a melhor alternativa para que o país não desse passos para trás. Também afirmou que há ampla liberdade de imprensa na Colômbia, mas que o jornalismo impresso precisa reinventar-se. Leia, abaixo, os principais trechos.

    Folha - Como o senhor vê o jornalismo na Colômbia hoje?

    Samper Pizano - Em alguns sentidos, muito melhor. As páginas de comentários dos jornais são mais pluralistas, os colunistas não se sentem obrigados a compartilhar a opinião do editorial, há mais investigação e a área de fotografia e imagens está muito mais desenvolvida, por conta da tecnologia moderna.

    Mas, por outro lado, se escreve num espanhol vergonhoso e muito pobre, muitas das notícias carecem de um contexto mínimo indispensável e pouco a pouco a habilidade tecnológica suplantou a curiosidade do repórter e sua capacidade de comunicar-se de maneira aceitável.

    O jornalismo na Colômbia, assim como em outros países da América Latina, como a Argentina e o Brasil, é ainda um negócio de família, mas isso vem mudando, como acompanhando no caso do "El Tiempo" (pertencia à família Santos, hoje é de investidores privados). Como vê essa transição?

    Não conheço a fórmula ideal de propriedade que garanta um jornal de qualidade, responsável diante de seus leitores e independente de todos os poderes. Mas talvez a menos má tenha sido a de uma família dedicada ao jornalismo durante várias gerações, e que possua um diário de qualidade e renuncie a ter poderes políticos.

    Na Colômbia, as novas realidades conduziram o apetite político dos proprietários (vício nefasto), ou à conversão do meio de comunicação um departamento comercial de uma grande empresa com múltiplos interesses (o que é um vício ainda pior). O grupo que comprou "El Tiempo" é um conglomerado econômico com muitas ramificações. Espero que sigam respeitando a autonomia do jornal, como até agora estão fazendo.

    Como é hoje a relação da imprensa colombiana com o poder? Se pode comparar de alguma maneira com a relação conflituosa que há na Argentina, no Equador ou na Venezuela?

    Não, de maneira nenhuma. Na Colômbia temos ampla liberdade de expressão e espero que a conservemos assim por muito tempo. Por outro lado me parece lamentável que um país cujo governo realiza importante transformação social, como o Equador, essa intenção modernizadora não se estenda à sua concepção de liberdades essenciais, como a de imprensa, nem propicie uma alternância política que pode ser saudável para as instituições.

    Como o senhor vê o avanço da internet e seu impacto no meio impresso?

    Não creio que a internet esteja matando a mídia impressa, mas sim obrigando-a a modificações e renovações que pouco a pouco a mudam e, em alguns casos, a desvirtuam. As edições virtuais dos meios tradicionais são muito úteis e eficientes, sobretudo para buscas e arquivos. Ainda assim, o prazer de ler um bom jornal impresso, como o "El País", não tem comparação.

    Como o senhor vê o segundo turno das eleições? Surpreende a rápida ascensão de Zuluaga? É um voto de medo à anistia das Farc?

    As Farc, tristemente, foram determinantes em decidir as últimas cinco eleições na Colômbia, e parece que mais uma vez voltam a fazer isso.

    Temo que o apoio a Uribe e à sua equipe regressiva e fundamentalista não nasce tanto da simpatia que ele pode despertar. Afinal, é um dos presidentes mais questionados da nossa história. Mas é, sim, um reflexo da antipatia essencial que as Farc despertam na população.

    Penso que é melhor solução ao velho e cruel problema da guerrilha um projeto de paz como o do atual governo. Por isso votarei em Santos, ainda que não goste dele. E nunca na proposta de aniquilação que oferece Zuluaga, seu rival, manipulado por Uribe.

    A Colômbia vem tendo uma muito boa performance na economia, mas isso não resulta em bons números de popularidade a Santos. Porque o apoio a ele caiu tão rápido?

    Os números podem ser satisfatórios, mas sua conversão em realidade não é. Colômbia segue tendo enormes bolsas de miséria, contamos com milhões de "desplazados" (gente obrigada a deixar suas terras de origem pela violência). É uma população que vive como na Idade Média. A diferença entre ricos e pobres aumentou de maneira constante e o campo foi arrasado pela guerrilha, pelos paramilitares e pelos tratados com os Estados Unidos.

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