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    Análise: Jihadistas não sabem o que fazer com Mossul

    JASON BURKE
    DO "GUARDIAN"

    12/06/2014 11h24

    Os líderes do Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL) não esperavam tomar a cidade de Mossul, no norte do Iraque, quando a atacaram na segunda-feira. Nos últimos anos, a tática preferencial do grupo tem sido lançar ataques fulminantes, causar baixas e danos importantes e então bater em retirada.

    Desta vez, as forças do governo reagiram mais prontamente. Apesar de superarem os militantes na razão de mais ou menos 50 para um, fugiram, deixando o EIIL no controle "de facto" da cidade.

    Abu Bakr al-Baghdadi, 43 anos, líder do EIIL desde 2010, terá agora que enfrentar algumas das questões estratégicas mais difíceis encaradas por militantes islâmicos nas últimas décadas: tomar territórios ou não, e que tratamento dar às pessoas que vivem neles.

    Uma retirada rápida de Mossul indicaria que o grupo considera que controlar a cidade é impossível ou indesejável. Esse ainda é o desenlace mais provável. Mas o fato de desde janeiro o EIIL já ter capturado e controlado três outras cidades iraquianas -Falluja, Ramadi e, na noite de ontem, Tikrit–, além de Raqqa, na vizinha Síria, indica que Baghdadi pode pensar duas vezes antes de deixar Mossul com os enormes espólios da operação feita na cidade.

    Afinal, o nome de seu grupo faz uma declaração inequívoca de seus objetivos. Baghdadi lidera o "Estado islâmico" do Iraque e do Levante. É algo muito distinto dos objetivos sugeridos pelo nome Al Qaeda, o grupo fundado por Osama bin Laden e hoje comandado desde o Paquistão por seu antigo segundo em comando, Ayman al-Zawahiri. O nome Al Qaeda pode significar uma base física -como os campos do Exército em Mossul cujos armamentos pesados foram saqueados pelo EIIL nos últimos dias–, mas também uma metodologia ou uma máxima.

    Há uma década ou mais os estrategistas islamitas discutem se devem procurar criar refúgios seguros defensáveis, que possam servir como plataformas de lançamento de expansão maior, ou focar sobre operações terroristas espetaculares, como o 11 de setembro, cuja finalidade é radicalizar e mobilizar populações inteiras e desencadear uma "jihad sem líderes" global.

    O jordaniano Abu Musab al-Zarqawi, que fundou a Al Qaeda no Iraque em 2004 e controlou uma parte importante da província de Anbar, no oeste do país, até ser afastado e morto em 2006, escolheu a primeira estratégia. Abu Musab al-Suri, líder militante sírio que tinha assistido ao esmagamento de um levante islamita em Hama por Hafez Assad em 1982, foi o principal proponente da segunda.

    Por sua brutalidade e intolerância, o grupo de Zarqawi suscitou tanto repúdio da população local que ela se rebelou e o expulsou. No final da década passada, esse experimento, além dos de outros grupos em outras partes do mundo islâmico, pareceu ter superado a estratégia da "guerra do posicionamento", em favor da mais global e menos territorial "guerra da manobra". Mesmo assim, a atração do território parece ser eterna.

    Na década de 1990, islamitas egípcios lamentaram a topografia de seu país, que viam como sendo imprópria para a criação de uma base segura a partir da qual operar. Em abril de 2004 um grupo de militantes seniores da Al Qaeda no Iraque se reuniu em Falluja "para rever a situação" de sua campanha. O clérigo palestino jordaniano Abu Anas al-Shami participou da reunião e escreveu mais tarde: "Percebemos que, depois de um ano de jihad, ainda não tínhamos realizado nada em campo e tínhamos fracassado redondamente".

    Em vez de depender da propaganda política, disse o clérigo, eles precisavam de uma base que funcionasse como plataforma para o lançamento de expansão maior quando tivesse terminado a fase imediatamente defensiva dos combates, que ele comparou às provações iniciais enfrentadas pelo profeta Maomé com seu bando de seguidores.

    Havia uma motivação pessoal também: "Nenhum de nós possuía um lote de terra, mesmo que fosse do tamanho da palma da mão, no qual viver, nenhum lugar onde encontrar refúgio em casa, em paz, entre os seus", queixou-se Abu Anas, morto em novembro de 2004 quando tropas dos EUA retomaram Falluja.

    Nos casos em que grupos islamitas tomaram áreas urbanas e procuraram controlar as populações locais, os resultados, em sua grande maioria, foram desastrosos. No Iêmen, a Al Qaeda na Península Arábica controlou por pouco tempo a capital regional de Jaar, até ser expulsa por tropas governamentais. A União das Cortes Islâmicas tomou por pouco tempo a capital somali, Mogadício. Partes de cidades líbias e sírias também já caíram sob controle islamita. No Afeganistão, o Taleban exerceu o controle nominal de cinco cidades, situação que durou cinco anos.

    Mas está claro que a maioria das pessoas percebe em pouquíssimo tempo que os islamitas dão péssimos administradores municipais, mesmo que o EIIL tenha agora deixado de matar garis, que tachava de colaboradores. "Os moradores de Mossul votaram com os pés (ou seja, mostraram sua posição ao fugir da cidade)", disse o analista e especialista regional James Denselow. Parece que quase a população inteira abandonou a cidade.

    Um olhar geral sobre a localização das zonas sob controle extremista em todo o mundo islâmico revela que quase todas são muito remotas, com frequência em regiões de fronteira que estão fora da área de atuação de governos centrais fracos, e possuem valor estratégico limitado. Só há uma exceção gritante: o crescente Estado Islâmico do Iraque e Levante, que se estende sobre partes de dois países.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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