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    Dúvidas sobre destino dos únicos presos a fugir de Alcatraz se mantêm até hoje

    ANÉLIO BARRETO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    14/06/2014 02h52

    Criminosos famosos, entre eles Al Capone, estiveram ali. Não mais. 50 anos e poucos meses atrás, em 21 de agosto de 1963, uma lenda americana caiu por terra: a prisão de Alcatraz, na ilha de mesmo nome, na baía de São Francisco (EUA), foi fechada.

    Entre outros motivos (mas não oficialmente), porque, no ano anterior três homens realizaram uma proeza até então impossível: fugir de Alcatraz.

    Hoje o acontecimento figura entre os maiores mistérios da história criminal do país. Nunca encontraram os fugitivos, nem seus corpos. Ninguém supunha que alguém pudesse sobreviver nas condições climáticas que o mar ali apresenta, além da distância da costa, mais de 5 km.

    Os três homens foram muito procurados –e continuam sendo. Hoje, Frank Morris, o maestro da operação, estaria com 85 anos. Os outros dois, os irmãos Anglin, estariam com 81 (Clarence) e 82 (John). Os mandados de prisão só serão revogados na data em que cada um completar 99.

    O FBI acredita que pelo menos os irmãos estão vivos. Um buquê de flores, sem cartão, foi enviado à mãe deles em todos os seus aniversários de 1962 até sua morte, em 1973. Também se especula que, no funeral dela, apesar dos policiais, John e Clarence estiveram lá, vestidos de mulher.

    Nos dias que antecederam os 50 anos da fuga, um rumor se espalhou: John e Clarence voltariam a Alcatraz para festejar a data. Mike Dyke, o único agente hoje encarregado da investigação, foi para lá e teve a companhia de Marie Widner e Mearl Taylor, irmãs mais novas dos dois.

    "Só porque eles fugiram, não quer dizer que fossem rapazes maus", disse Marie, 76 anos, aos jornalistas. "Nenhum dos dois jamais causou problema à família. Um dia eles simplesmente saíram de casa e assaltaram um banco. Sinto orgulho deles." Claro que os dois não apareceram.

    CHECAGEM

    Em 12 de junho de 1962, em Alcatraz, o tenente Bill Long fazia a contagem matinal dos detentos. E notou que um guarda não aparecera até então. Foi ao local em que o guarda deveria estar e viu que ele vinha correndo em sua direção. "Bill, tem um cara que não quer se levantar para a contagem." "Vou fazer com que se levante", respondeu.

    Long foi até a cela indicada e viu um homem que parecia dormir. Através das barras, ele sacudiu o travesseiro e gritou: "Levante-se para a contagem". Uma cabeça rolou ao chão. O tenente deu um pulo e então percebeu que a cabeça era falsa, misto de sabão, papel-toalha e cabelos de verdade. Travesseiros cobertos na cama simulavam um corpo. Long correu ao telefone e deu o alarme.

    Descobriram que Morris e os irmãos Anglin não estavam em suas celas, e em todas elas havia uma cabeça falsa e travesseiros cobertos.

    Tentativas de fuga não eram novidade em Alcatraz. A prisão esteve ativa por 29 anos, de 1934 a 1963; nesse período, 36 prisioneiros tentaram em 14 ocasiões. Destes, 23 foram recapturados, 6 foram mortos tentando e 2 morreram afogados. Dois dos recapturados foram executados em câmara de gás na prisão de San Quentin, pela morte de dois agentes correcionais.

    Alcatraz tem histórias curiosas, entre elas a de Robert Stroud, o "homem-pássaro". Numa prisão anterior, ele encontrou no pátio um ninho de pardais. Passou a interessar-se por pássaros e começou a colecionar e vender canários, chegando a ter 300.

    Tendo matado duas pessoas, foi transferido para Alcatraz. Escreveu um livro sobre canários que se tornou um clássico da ornitologia. Sua história foi contada no filme "O Homem de Alcatraz" (1962), com Burt Lancaster.

    O PLANO

    Os preparativos de Morris e dos Anglin duraram ao menos sete meses. Cada cela tinha um vão gradeado para ventilação. Eles roubaram um aspirador da sala de música e, com ele, fizeram uma furadeira e romperam as grades.

    Atrás do corredor de celas em que os três ficavam, havia um corredor de calefação raramente utilizado. Usando colheres e a furadeira, cavaram as paredes em direção a ele depois de retirar as barras das aberturas da ventilação.

    Fizeram barras falsas, de cola e papel pintado, que punham no lugar das verdadeiras quando não estavam cavando. Com a concertina (um pequeno acordeão) de John, Frank tocava e cantava nos horários em que isso era permitido, abafando o som.

    Com audácia, abriram um espaço acima do teto das celas e o usaram como oficina. Lá, fora dos horários de patrulha dos guardas, criaram um bote de borracha inflável com capas de chuva, costuradas e coladas com cimento. Havia sacolas de plástico transformadas em flutuadores, remos e cabeças falsas.

    Outro prisioneiro, Darwin Coon, disse que não quis participar da fuga, mas ajudou John a reunir o material necessário para executá-la.

    Coon trabalhava na cozinha e "acidentalmente" quebrava coisas que um amigo dele mesmo, John, funcionário da manutenção, vinha consertar. E, "distraidamente", esquecia ferramentas.

    Foi provavelmente esse amigo que passou a eles um exemplar de "Mecânica Popular", mais tarde achado pelo FBI, que, "por coincidência", ensinava a fazer barcos.

    Vários jornais, entre eles o "New York Times", publicaram perfis dos fugitivos. Morris tinha QI de 133, superando 98% da população. Nascido em 1926, em Washington, foi para um orfanato aos 11 anos e depois para lares adotivos. Aos 13, foi mandado para um reformatório, onde aprendeu a consertar sapatos.

    Passou aos roubos e narcóticos, foi preso na Geórgia e na Flórida e, depois de condenado a dez anos por assalto a banco, escapou de presídio na Louisiana. Preso de novo e condenado a 14 anos, foi enviado a Alcatraz em 1960.

    Os Anglins nasceram em Donalsonville, na Geórgia (John em 1930; Clarence, um ano depois), entre os 14 filhos dos fazendeiros pobres Robert e Rachel Anglin.

    Quando começaram a assaltar, foram presos no Alabama, na Flórida e na Geórgia. Após roubarem um banco no Alabama, em 1958, foram presos no Kansas e depois em Alcatraz –John condenado a 15 anos, e Clarence, a 10.

    A FUGA

    Na noite de 11 de junho de 1962 houve um imprevisto, pois deveriam ser quatro os fugitivos, e não três. Mas Allen West, de uma cela vizinha, que participou dos preparativos, cometeu um erro inacreditável.

    Em vez de usar barras falsas e cola para prender as grades no duto da ventilação, usou barras verdadeiras e cimento (talvez não quisesse realmente fugir). O resultado é que na hora H não conseguiu retirá-las e pediu aos companheiros que esperassem. Eles se recusaram.

    Morris e os Anglins prepararam suas celas com os travesseiros e cabeças, retiraram o barco e os outros materiais da oficina improvisada e, pelo corredor de ventilação, chegaram ao teto da prisão, onde as barras da saída já haviam sido trabalhadas.

    Tomando cuidado para evitar a torre de vigilância e seus guardas armados, eles se deslocaram e desceram uma parede de 15 m, depois de jogar para o fundo dela a lanterna que haviam improvisado. Não foram vistos.

    Ultrapassaram uma barreira de arame farpado de cerca de 4 m de altura e correram para nordeste da ilha, ponto cego para a vigilância.

    Desembrulharam o barco, usaram a concertina para inflá-lo (o que também aprenderam na "Mecânica Popular") e, pouco depois das 10h, zarparam. Havia muita neblina, e nela desapareceram.

    Em agosto de 1963, Alcatraz foi fechada pelo governo.

    As razões alegadas foram o alto custo de manutenção e o tratamento desumano dado aos prisioneiros.

    Hoje Alcatraz, cujo prédio se manteve, é uma das principais atrações turísticas da baía de São Francisco. São organizadas disputadas visitas diurnas e noturnas, com barcos de meia em meia hora.

    Nunca mais se soube de Morris e dos irmãos Anglin. O barco foi achado numa ilha próxima, e também um corpo no mar, que a princípio disseram ser de Morris. Mas isso foi desmentido. No filme que Don Siegel fez em 1979, com Clint Eastwood, eles obtêm sucesso. Possivelmente, esse final é verdadeiro.

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