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    Cinco países do leste africano traçam plano de se unificar em uma federação

    DANIEL MÉDICI
    ENVIADO ESPECIAL A ST GALLEN (SUÍÇA)

    27/06/2014 02h00

    A voz tranquila do ruandês Richard Sezibera, 50, esconde o tamanho da ambição da organização que ele representa: unificar cinco países sob uma federação.

    Sezibera é secretário-geral da Comunidade da África Oriental, bloco formado por Quênia, Tanzânia, Uganda, Ruanda e Burundi. A meta da unificação, apesar de declarada, não tem data estipulada para ocorrer.

    "Fizemos pesquisas de opinião nos países do bloco, e a maioria apoia o nosso projeto. Na Tanzânia, por exemplo, há cerca de 80% de aprovação, mas há a intenção clara de que isso seja feito de forma lenta", diz.
    Os objetivos de curto e médio prazo, no entanto, são pragmáticos: visam dinamizar a economia da região.

    Somado, o PIB do bloco é o 17º maior do mundo, segundo a organização.

    Uma das conquistas recentes da Comunidade da África Oriental foi abolir a exigência de vistos diferentes –atualmente, um turista que vai ao Quênia, por exemplo, pode usar o mesmo visto para visitar a Tanzânia.

    O projeto vai além: há um cronograma para a implementação de uma moeda única em todos os cinco países em um prazo de dez anos.

    Sezibera defende o plano, apesar dos recentes percalços da experiência do euro na União Europeia.

    "Na verdade, a própria UE nos enviou uma comissão para ajudar na adoção do projeto", diz.

    Para que não se repitam os mesmos erros, "nosso plano é permanecermos pequenos. Somos um bloco de apenas cinco países e não temos a intenção de abrigar muitos outros", afirma o secretário-geral da comunidade.

    O projeto atrai o interesse de nações vizinhas, como Somália e Sudão do Sul, que se ofereceram para integrar o bloco, mas foram, até o momento, rejeitadas.

    Ambos os países enfrentam uma série de crises políticas e confrontos entre governo central e rebeldes.

    Sezibera foi um dos palestrantes no simpósio anual da Universidade de St Gallen, na Suíça, no mês passado.

    Lá, detalhou os projetos da comunidade a estudantes e empresários.

    Para ajudar a região a se desenvolver, Sezibera considera imprescindível a ajuda de investidores de fora do bloco para modernizar a infra-estrutura da região, um dos grandes gargalos da economia e desafio à integração.

    "Hoje, uma mercadoria que sai de Kigali [capital de Ruanda] demora 21 dias para chegar em Mombaça [cidade portuária do Quênia]. Faltam pontes, estradas asfaltadas, ferrovias", explica.

    Mais do que isso, o ruandês diz passar boa parte de seu tempo convencendo os não africanos de que o continente é um lugar onde vale a pena investir.

    "O continente não é o mesmo que era há 20 anos", afirma, lembrando do genocídio que seu país viveu em 1994, quando a etnia hutu massacrou cerca de 800 mil pessoas, a maioria tutsi.

    "Acredito que a África precise de apoio, ninguém cresce sozinho", afirma, ponderando: "Mas acredito que, ao fim do dia, o resultado do trabalho dos africanos deve permanecer entre os africanos. [Além disso,] às vezes, o mundo não permite à África cometer os seus próprios erros e aprender com eles."

    DIÁLOGOS

    Apesar de ambiciosa, a meta final da unificação da região não é nova.

    Surgidos de ex-colônias que flutuaram entre mãos britânicas, alemãs e belgas ao longo do tempo, durante o processo de independência, nos anos 1960, o estabelecimento de uma nação unificada chegou a ser discutido.

    A questão foi negociada pelas lideranças políticas da época, como Jomo Kenyatta (1889-1978), primeiro presidente do Quênia, e Julius Nyerere (1922-99), então primeiro-ministro de Tanganica.

    A oposição de Idi Amin (c.1925-2003), então ditador de Uganda, e a subsequente formação da Tanzânia, quando Tanganica e Zanzibar se uniram, selaram a criação de Estados separados.

    O caminho reverso ainda é apenas um rascunho, diz Sezibera. "Nós já entramos em acordo sobre o nome do país, Federação da África Oriental. Na verdade, é o único acordo ao qual conseguimos chegar", brinca.

    Questionado por empresários sobre qual seria a capital, Sezibera esquiva-se, entre risos: "Eu não sei!".

    O jornalista DANIEL MÉDICI viajou a convite da Universidade de St Gallen.

    Editoria de Arte/Folhapress

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