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    Primeira Guerra Mundial foi início da era atual, diz analista

    LEANDRO COLON
    DE LONDRES

    28/06/2014 11h10

    A anexação da Crimeia pela Rússia, a guerra civil na Síria, a permanente tensão no Iraque e o fortalecimento nacionalista na Europa despertam um antigo debate: uma crise regional é capaz de provocar um conflito global, como ocorreu há cem anos?

    Estudiosos consideram remota a chance de repetição do enredo que levou à Primeira Guerra, cuja origem é uma crise localizada entre a Sérvia e o Império Austro-Húngaro após o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, em Sarajevo, que completou cem anos hoje (28).

    O complexo sistema de alianças na Europa levou a uma reação em cadeia que provocou a ampliação do conflito. Em quatro anos, a guerra matou ao menos 11 milhões de pessoas.

    Ao mesmo tempo, desmantelou impérios, instigou o nacionalismo étnico, delimitou novas fronteiras na Europa e desencadeou a Segunda Guerra (1939-1945).

    "A guerra é o ponto de partida para compreendermos o contexto atual da Europa e do mundo. Marcou o início da era em que vivemos. Depois de cem anos, ainda estamos lidando com consequências políticas e sociais dela", diz Stephen Badsey, do Departamento de História e Estudos sobre Guerra da Universidade de Wolverhampton.

    Um século se passou desde o crime de Sarajevo e, apesar das constantes crises que desestabilizam regiões pelo mundo, as atuais circunstâncias políticas e geográficas impedem um novo conflito bélico entre grandes forças como o que aconteceu no passado.

    Para a professora Anikka Mombauer, especialista em estudos sobre a Primeira Guerra da Open University, a busca por soluções diplomáticas nos tempos atuais é prioridade –mesmo que não sejam bem-sucedidas, como tem ocorrido na atual crise entre Ucrânia e Rússia, que deixou centenas de mortos nos últimos dois meses.

    "Para os líderes austro-húngaros, uma solução diplomática era odiosa em 1914. Eles queriam uma guerra contra a Sérvia ao invés de negociação. Hoje, a guerra é o último recurso", avalia.

    "O crescimento e a queda de nações mais fortes ou fracas eram inevitáveis. A guerra era a maneira de separar ganhadores de perdedores e um meio legítimo de fazer política. Hoje, temos dificuldade em aceitar isso e não acho que os líderes desejam correr o risco de uma guerra maior em decorrência de uma causa menor", ressalta.

    O professor de história William Philpott, do Departamento de Estudos de Guerra do King's College, destaca que um dos mais relevantes legados daquela guerra foi justamente a mudança nas relações internacionais, sobretudo após o Tratado de Versalhes, que estabeleceu o armistício entre os lados.

    "Hoje, grande parte dos países europeus está na União Europeia ou na Otan [aliança militar ocidental] e, no caso de qualquer ato de agressão contra um dos seus membros, o outro pode intervir. Sobre a crise na Ucrânia, não vejo que a Rússia queira se envolver num conflito com grandes forças da Europa", explica.

    PRETEXTO

    O professor Stephen Badsey destaca o contexto que levou os impérios Austro-Húngaro, Alemão, Britânico, Russo e Otomano a se engajarem numa guerra após um fato tão localizado como fora a morte do arquiduque.

    "O assassinato foi o ponto de partida da guerra, mas não a causa. Houve muitos assassinatos políticos antes e depois, assim como pontos de tensão", diz.

    "Cada conjunto de circunstâncias históricas é único e não há razão para pensar que um assassinato nos Bálcãs, por exemplo, poderia desencadear uma guerra global hoje", afirma.

    De opinião semelhante compartilha Philpott: "O assassinato deu a chance para a guerra começar. Era a oportunidade que a Alemanha queria para provocar conflito com a Rússia e a França".

    Para o professor, o fortalecimento dos partidos de direita na recente eleição do Parlamento Europeu, sustentado no discurso próximo de um sentimento xenófobo, não pavimenta o caminho para um conflito entre nações.

    "Esse aumento da direita na UE é um problema muito mais doméstico, em resposta a dificuldades econômicas locais. As pessoas querem culpar a globalização e não promover um nacionalismo para o lado de fora do seus países", diz.

    A professora Anikka Mombauer não tem dúvidas: a Primeira Guerra é, segundo suas palavras, "a raiz da história da violência do século 20". "Iniciou a escalada da barbárie na Europa, com atrocidades em larga escala contra civis, e isso continuou na Segunda Guerra. As guerras subsequentes foram travadas para corrigir o que a Primeira Guerra começou", diz.

    William Mur/Editoria de Arte/Folhapress
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