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    Conflito moldou identidade brasileira, afirma historiador

    RODRIGO VIZEU
    EDITOR-ASSISTENTE DE "MUNDO"

    29/06/2014 02h00

    Em 1890, o futuro fundador da Academia Brasileira de Letras, José Veríssimo, afirmava: "Estou convencido de que a Europa manterá durante longos séculos, talvez para sempre, sua supremacia". Em 1917, Mário de Andrade expôs descrença na civilização europeia na coletânea "Há uma Gota de Sangue em Cada Poema".

    A Primeira Guerra Mundial, entre 1914 e 1918, foi central para essa inflexão, levando a América Latina, com o Brasil incluído, a enfim buscar sua própria identidade. Ao mesmo tempo, passou a se influenciar mais pelos Estados Unidos.

    A tese é do livro "Adeus à Europa", do historiador francês Olivier Compagnon, da Universidade Sorbonne-Nouvelle (Paris 3), a ser publicado no Brasil em agosto.

    "A guerra levou, entre muitos intelectuais argentinos e brasileiros, a uma verdadeira desilusão com a Europa. Uma Europa percebida desde as independências no século 19 até a 'Belle Époque' como modelo e coração da civilização. Mas que, entre 14 e 18, atinge picos de barbárie e perde boa parte de seu crédito", diz Compagnon à Folha.

    Segundo o autor, a Primeira Guerra foi matriz de uma "transformação identitária" que provocou, no caso do Brasil, o movimento modernista, o integralismo e o discurso nacionalista do Estado Novo nos anos 20 e 30.

    A obra, feita sobretudo a partir de documentos brasileiros e argentinos da época, reavalia a Grande Guerra como um dos elementos definidores do século 20 latino-americano, enquanto outros trabalhos tendem a focar mais na Segunda Guerra.

    BRASIL E O FRONT

    O Brasil se manteve neutro na maior parte do conflito e só declarou guerra à Alemanha no fim de 1917, após ter navios torpedeados.

    A participação brasileira na guerra se restringiu, sem contar milhares de voluntários e imigrantes que foram lutar por outros países, a 13 pilotos "emprestados" à Força Aérea Britânica e uma missão médica em Paris.

    Uma força naval com 1.500 homens que zarpou em julho de 1918 sofreu baixas em uma escala na África devido à gripe espanhola e chegou à Europa um dia antes do fim da guerra, sem combater.

    "Não se pode dizer que a América Latina sofreu a guerra na carne. O impacto do conflito foi econômico e cultural", afirma o historiador.

    No campo econômico, o Brasil viu seu comércio despencar devido à dificuldade de navegar entre submarinos alemães. Os EUA se estabelecem como parceiro prioritário do país, superando o Reino Unido.

    No meio intelectual, antes que as notícias da carnificina levassem a uma condenação geral do conflito, estabeleceu-se no país, e também na Argentina, ampla maioria a favor da aliança entre França, Reino Unido e Rússia. Pesou a francofilia das elites locais da época.

    "A Grande Guerra foi percebida como um conflito entre a gloriosa civilização francesa, mãe de todas as liberdades e artes, e a barbárie e o militarismo germânicos", resume Compagnon. Por isso, pouco se falava sobre os fronts russo ou otomano.

    Contra a onda pró-França e um noticiário produzido por agências britânicas, americanas e francesas, os imigrantes alemães no sul do Brasil reagiram. Enviaram voluntários para lutar pelo kaiser Guilherme 2º e investiram em uma imprensa germanófona.

    A situação piorou com a entrada do Brasil na guerra, com críticas a membros do governo de origem alemã, suspeitas de planos de secessão e proibição de jornais e cerimônias públicas e religiosas em alemão.

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