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    Fim do apartheid americano completa 50 anos

    ISABEL FLECK
    DE NOVA YORK

    02/07/2014 02h02

    Em maio de 1964, o então presidente dos EUA, Lyndon Johnson, defendeu em discurso uma "Grande Sociedade" em que cada cidadão fosse tratado de forma igual, independentemente de "crença, raça ou cor da pele".

    O conceito estaria presente na Lei dos Direitos Civis, assinada por ele em 2 de julho daquele mesmo ano, que estabeleceu o fim da segregação racial em escolas, ambientes de trabalho e lugares públicos em todo o país.

    Meio século depois, os EUA têm um presidente negro, e a separação legal de espaços com base na cor da pele é parte de um passado distante.

    Os negros viram sua renda familiar média crescer, bem como o percentual de adultos que concluem os ensinos médio e superior no país. O casamento inter-racial, proibido em vários Estados há 50 anos, hoje representa uma de cada seis uniões no país.

    No entanto, a disparidade entre brancos e negros segue grande nos planos econômico e social, mostrando que os EUA ainda não atingiram a fase "pós-racial", como muitos defenderam após a eleição de Barack Obama.

    A diferença entre a parcela de negros e brancos desempregados, por exemplo, é maior hoje (6 pontos percentuais) do que há 50 anos (4,4). O quadro foi agravado pela crise, depois da qual os negros também têm tido mais dificuldade em recuperar postos, segundo números do Departamento de Trabalho.

    A renda média de uma família afro-americana ainda representa menos de dois terços da de uma família branca não hispânica. O valor do acúmulo de bens destas últimas, que há 30 anos era quase quatro vezes maior que o de famílias negras, em 2010 representava seis vezes mais.

    A diferença entre brancos e negros acima de 25 anos que concluíram o ensino superior nos EUA subiu de 6 pontos percentuais para 13, e a população carcerária continua majoritariamente negra.

    "A raça ainda é fator determinante nos EUA hoje, e isso é refletido nos indicadores econômicos. A combinação entre pobreza e isolamento racial é o que torna as expectativas de mobilidade econômica e social tão desanimadoras", avalia Gavin Wright, da Universidade Stanford.

    Para Peter Myers, da Universidade do Wisconsin, as causas das disparidades nos campos econômico e social são variadas. "No caso do acúmulo de bens, por exemplo, os esforços sistemáticos ao longo da história para evitar que afro-americanos adquirissem riquezas certamente têm um impacto até hoje."

    SEPARAÇÃO POR BAIRRO

    Mesmo longe de lembrar a segregação racial imposta em partes do sul do país até a década de 60, grandes cidades americanas têm ainda hoje forte separação, por bairros, entre brancos e negros ""forçada por uma conjunção de fatores econômicos e sociais.

    Estudo da Brown University com base em dados do Censo de 2010 mostra que Nova York, Chicago e Miami estão entre as dez cidades mais "segregadas" entre brancos, negros e latinos dos EUA.

    Em Nova York, enquanto a parte de Manhattan ao sul do Harlem é basicamente branca, Harlem, Queens e Bronx são majoritariamente negros ou têm forte presença latina.

    Em partes do Brooklyn, a "gentrificação" –especulação imobiliária que eleva preços e expulsa parte da população local– afastou uma grande parcela negra de bairros próximos a Manhattan.

    A separação se reflete também nas escolas, com o Estado de Nova York também apresentando as salas de aula mais "segregadas" do país, conforme levantamento da Universidade da Califórnia.

    Só 8% das escolas do Estado podem ser consideradas multirraciais, diz o estudo. Das 32 escolas municipais da cidade de Nova York, 19 tinham, no máximo, 10% de estudantes brancos em 2010.

    Para Gary Orfield, coordenador do estudo, o fenômeno é explicado por "segregação residencial intensa tanto para negros quanto para latinos e escolas públicas operadas por uma gestão privada, que intensificam a desigualdade".

    Editoria de Arte/Folhapress

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