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    Papa Francisco "pede perdão" a vítimas de abuso sexual

    JIM YARDLEY
    DO "NEW YORK TIMES", NA CIDADE DO VATICANO

    07/07/2014 09h58

    O papa Francisco realizou sua primeira reunião com vítimas de abuso sexual pelo clero nesta segunda-feira (7), conduzindo-as em uma missa particular em uma pequena capela do Vaticano, na qual ele pediu perdão e descreveu o abuso como "pecado grave", ainda que alguns críticos tenham criticado o encontro como uma jogada de propaganda.

    "Perante Deus e o povo, expresso meu pesar pelos pecados e graves crimes de abuso sexual cometidos pelo clero contra vocês", disse Francisco como parte de sua homilia na missa, de acordo com um texto fornecido pelo Vaticano. "E peço humildemente perdão. Também peço humildemente perdão pelos pecados de omissão de parte de líderes da Igreja que não responderam devidamente aos relatos de abuso feitos por familiares de vítimas e pelas vítimas mesmas".

    Francisco recebeu seis vítimas - duas da Irlanda, duas do Reino Unido e duas da Alemanha -, e as saudou já quando chegaram a uma casa de hóspedes do Vaticano no domingo. Eles voltaram a se encontrar na segunda-feira para uma missa, e tomaram café da manhã juntos antes que o Papa conversasse em separado com cada uma das vítimas, em um processo que ao todo demorou mais de três horas.

    Em sua homilia, Francisco prometeu "não tolerar danos causados a menores por qualquer indivíduo, seja ou não membro do clero", e declarou que os bispos teriam responsabilidade por garantir a proteção dos menores. Ele disse que os escândalos de abuso tinham "efeito tóxico sobre a fé e a esperança em Deus".

    "L'Osservatore Romano"/Reuters
    Arcebispo Claudio Mari Celli mostra notícias em tablet ao papa Francisco
    Arcebispo Claudio Mari Celli mostra notícias em tablet ao papa Francisco

    Em entrevista coletiva ao meio-dia da segunda-feira, o reverendo Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, descartou a ideia de que o encontro tivesse propósitos de relações públicas, e descreveu o contato entre as vítimas e o Papa como "muito intenso".

    "Trata-se de um passo importante no caminho da cura e da reconciliação", disse Lombardi, que não revelou os nomes das seis vítimas.

    Francisco conquistou elogios generalizados por seu estilo pessoal humilde e seus esforços de reforma da burocracia do Vaticano, mas seu tratamento da questão do abuso sexual lhe valeu críticas agudas.

    O fato de que não tenha recebido pessoalmente vítimas de abuso em seus primeiros 15 meses de pontificado - seus predecessores, João Paulo 2º e Bento 16, fizeram esse gesto diversas vezes - foi visto como falta de sensibilidade pelos críticos, especialmente se levado em conta o caráter de empatia que seu pontificado vem demonstrando.

    E alguns defensores das vítimas de abuso tampouco se impressionaram com o encontro da segunda-feira. Eles argumentam que o Vaticano ainda fez pouco demais para criar um sistema forte, e com prestação de contas rigorosa, para prevenir abusos e impedir que bispos protejam os padres que os praticam por meio de transferências a outras dioceses, ou ao não reportarem as acusações às autoridades civis.

    "Essas reuniões são golpes de relações públicas para o Vaticano e servem como um placebo que desvia as atenções, para os demais", afirmou Mary Caplan, membro da Rede de Sobreviventes do Abuso por Padres (Snap), uma organização de defesa das vítimas, em comunicado. "Eles oferecem esperança temporária, e falsa".

    Nos últimos meses, o Vaticano sofreu críticas de dois comitês da ONU por sua condução de casos de abuso sexual pelo clero. Mais recentemente, em maio, o Comitê das Nações Unidas contra a Tortura apelou a funcionários do Vaticano que tomassem medidas mais efetivas para prevenir abusos, em meio a informações de que as autoridades da Igreja em certas dioceses ainda se recusam a reportar casos à polícia local.

    Mas autoridades do Vaticano dizem que muitas das preocupações mencionadas pelos comitês da ONU estavam desatualizadas e apontam para diversas mudanças adotadas no pontificado de Francisco.

    Ele criou uma comissão especial para as questões de abuso, e incluiu entre seus membros uma proeminente vítima de abuso na Irlanda que agora defende outras vítimas. No mês passado, o Vaticano expulsou da Igreja seu antigo embaixador à República Dominicana, acusado de abuso contra meninos. O ex-arcebispo Josef Wesolowski tem dois meses para apelar da decisão.

    Francisco tornou pública sua decisão de se reunir com vítimas de abuso quando retornou de sua viagem à Terra Santa, em maio. Ele se referiu ao abuso de menores, então, como "muito feio" e um crime "sério", que comparou a um sacrilégio.

    As palavras fortes de Francisco em meio surgiram depois que ele recebeu críticas dois meses antes ao argumentar que a Igreja Católica havia enfrentado a crise do abuso com maior "transparência e responsabilidade" que outras instituições públicas, e ainda assim havia sofrido o grosso dos ataques dos defensores das vítimas.

    Alguns defensores das vítimas descartaram essas declarações como insensíveis e triunfalistas.

    No domingo, a comissão especial que Francisco criou para lidar com a crise realizou sua segunda reunião, dedicada principalmente a discutir a indicação de novos membros, possivelmente da África, Ásia e outras regiões. Na homilia do domingo, Francisco apelou à comissão que "desenvolvesse normas e procedimentos melhores" para proteger os menores e treinar o pessoal da Igreja.

    "Precisamos fazer todo o possível para garantir que esses pecados não tenham lugar na Igreja", ele declarou.

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    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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