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    Análise: Uma ironia ronda os Brics

    IGOR GIELOW
    DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

    16/07/2014 11h46

    Uma interessante ironia ronda a reunião dos Brics no Brasil. A criação de um banco de fomento do bloco está sendo vista por alguns analistas como uma demonstração de força política e contraponto ao que o presidente russo, Valdimir Putin, chama de "políticas dos Estados Unidos e seus aliados".

    É um caso de estudo pós-modernista o fato de que os Brics são, em sua origem, uma invenção que vem exatamente do campo dos "EUA e seus aliados"–no caso, o Reino Unido natal do criador do acrônimo, o economista Jim O´Neill.

    Em 2001, ele escreveu um trabalho para o banco de investimentos do qual se aposenta agora como chefão, o Goldman Sachs, chamado "O mundo precisa de melhores tijolos econômicos". No caso, ele fazia uma graça com a palavra inglesa "brick" (tijolo) e as iniciais dos então quatro mercados emergentes considerados mais promissores: B (rasil), R (ússia), Í (ndia) e C (hina).

    A partir daí, o nome "pegou" para explicar todo o movimento de ascensão dos emergentes no mercado internacional, com a pujança econômica chinesa puxando os vagões do comboio: é mais que decantado o papel do apetite de Pequim por commodities no ciclo de crescimento brasileiro dos anos 2000, por exemplo.

    Num processo peculiar de apropriação pela realidade, o plural de Bric veio naturalmente, com a adição do S –da inicial inglesa para África do Sul. E mais, ganhou vida ao longo dos anos como uma instância de consultas mútuas no nível político.

    Analistas divergem, como seria esperado, do real poder de articulação entre países com agendas políticas e econômicas tão díspares. O horizonte atual do Brasil não poderia ser mais diferente do que o da Rússia ou China, por exemplo, não menos por circunstâncias históricas.

    Mas é inegável que, simbolicamente, o banco criado nesta terça (15) em Fortaleza dá argumentos para quem quer ver uma afirmação política do bloco. E a política é feita com símbolos também.

    Por outro lado, o peso econômico irrisório do banco coloca as coisas em perspectiva. Fora a dúvida sobre quem ganha politicamente com tudo isso: no momento, o isolado e controverso Putin, que anexou um pedaço da Ucrânia é sofre sanções desde então pelo Ocidente, sai fortalecido na fotografia.

    Por fim, daí para enxergar o fim do sistema de Bretton Woods, que regula a economia mundial desde o crepúsculo da Segunda Guerra Mundial, ou uma reforma da combalida ONU, isso tudo parece ainda um certo exagero.

    Mesmo Dilma Rousseff, cujo governo é dado a esse tipo de arroubo, já disse hoje (16) que não é bem assim. Ainda que enaltecendo o novo banco, descartou renunciar ao FMI, chave-mestra de Bretton Woods.

    A paisagem das finanças globais muda radicalmente desde o fim da Guerra Fria, e ainda é cedo para dizer se na historiografia futura o dia 15 de julho de 2014 terá algum significado maior. Uma adequação do sistema internacional parece inevitável, até pela natureza do mercado, mas possivelmente sem rupturas radicais com os instrumentos de hoje.

    Seja como for, não deixa de ser engraçado ver uma sigla inventada por um dos "inimigos" da "ordem emergente" virar bandeira simbólica do bloco de seus representantes.

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