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    Gaza sofre legado colonial, diz viúva de Said

    DIOGO BERCITO
    EM MADRI

    20/07/2014 02h00

    Morto em 2003, o pensador palestino Edward Said não viu os protestos que derrubaram regimes no Oriente Médio a partir de 2011, tombando ditaduras na Tunísia, no Egito, na Líbia e no Iêmen.

    Mas ele já havia estudado, na longa carreira, o que considerava como uma das causas estruturais para as crises na região –em especial, o legado colonialista. "Said se perguntava quando as pessoas iriam desafiar os regimes opressivos", diz à Folha a viúva Mariam Said.

    Mariam vem ao Brasil para inaugurar, na terça-feira (22), uma cátedra de estudos pós-coloniais na Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). A estreia coincidirá com o aniversário de dez anos do ICArabe (Instituto de Cultura Árabe), que participa dessa iniciativa acadêmica.

    Sua visita também irá coincidir, por acaso, com o conflito militar na faixa de Gaza ("é o pior que já vimos"), onde os ataques israelenses já deixaram ao menos 325 mortos.

    Mariam enxerga os acontecimentos recentes pela lupa dos estudos que inaugura.

    "A ocupação da Cisjordânia e da faixa de Gaza são parte do legado pós-colonial. O projeto sionista, em si, é uma empreitada colonialista. O apartheid é resultado da supremacia colonial branca."

    Mariam conclui da obra de Said, levada adiante por ela, que a crise de Gaza é "resultado do mandato britânico da Palestina" –unidade de governo instituída na região entre 1920 e 1948, após a queda do Império Otomano.

    O projeto britânico, afirma, foi a porteira que não deixou seguir adiante a aspiração nacional palestina –hoje desconsiderada pelas teses de que o povo palestino é uma criação intelectual e não tem bases históricas.

    "Os palestinos, como os outros povos árabes na região, queriam construir um Estado. Isso nunca aconteceu devido ao mandato britânico, que prometeu esse país aos judeus", diz Mariam.

    "Meu marido lutou durante toda sua vida pela autodeterminação de ambos os povos, palestino e judeu, e por uma solução justa para o conflito, o que significa resolver as questões centrais criadas pelo estabelecimento de Israel, como refugiados."

    A saída para o impasse, no entanto, não parece próxima para a viúva de Said. Ela viu, nos últimos meses, o fracasso da mais recente tentativa de negociar a paz.

    "Penso que a guerra foi deliberadamente iniciada pelo [premiê israelense, Binyamin] Netanyahu para se apropriar de mais terra palestina", diz. "Ele transformou a tragédia da morte de três jovens israelenses na oportunidade de cumprir uma política colonial expansionista."

    O confronto militar teve início após o sequestro e morte de três israelenses. O governo afirma ter por objetivo defender-se de uma ameaça terrorista vinda de Gaza.

    Miriam critica também as ações da liderança palestina pela grave situação. "[Edward Said] teria se entristecido com o comportamento servil da Autoridade Palestina diante dos israelenses."

    No entanto, ela afirma que Said a influenciou a ser otimista. "Todos os conflitos são resolvidos; e este também será."

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