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    Palestinos têm poucas opções de refúgio em Gaza

    ANNE BARNARD
    DO "NEW YORK TIMES", EM GAZA

    21/07/2014 11h58

    À medida que as baixas civis cresciam na invasão israelense à faixa de Gaza, domingo à noite, as forças armadas israelenses lembravam ao mundo que haviam alertado aos moradores das áreas invadidas que deixassem suas casas. Mas a resposta dos palestinos locais a isso era unânime: e ir para onde?

    Os abrigos da ONU já estão superlotados, e alguns palestinos temem que não sejam seguros; um deles foi bombardeado por Israel em conflito anterior. Muitos moradores de Gaza buscaram refúgio nas casas de parentes, mas já que as famílias estendidas são grandes e podem consistir de dezenas de pessoas, muitas das casas na área já estão lotadas.

    O mais importante, acima de tudo, é que a vasta maioria dos moradores não pode deixar a faixa de Gaza. Eles vivem sob restrições mais severas do que em qualquer outra parte, nessa estreita faixa costeira que a ONU considera como ocupada por Israel.

    Mohammed Saber/Efe
    Coluna de fumaça no Shejaiya, bairro da faixa de Gaza que foi alvo de mísseis do Exército israelense
    Coluna de fumaça no Shejaiya, bairro da faixa de Gaza que foi alvo de mísseis do Exército israelense

    O primeiro-ministro britânico David Cameron em 2010 definiu a faixa de Gaza como "prisão a céu aberto", o que levou Israel a criticá-lo. Mas a realidade é que a vasta maioria dos moradores de Gaza está, para todos os fins práticos, aprisionada, e não tem como buscar refúgio do outro lado de uma fronteira. (A maioria dessas pessoas, e seus descendentes, já são refugiados, do território que hoje é Israel.)

    Retângulo com 40 quilômetros de comprimento e alguns quilômetros de largura, e um dos lugares mais densamente povoados do planeta, Gaza está cercada por muralhas de concreto e cercas, em suas fronteiras norte e leste com Israel, e em sua fronteira sul com o Egito.

    Mesmo em tempos vistos como normais, pelos padrões de Gaza, Israel permite que muito poucos moradores da faixa ingressem em seu território, alegando preocupações de segurança porque terroristas suicidas e militantes vindos de Gaza atacaram e mataram civis israelenses. As restrições impostas ao longo dos anos custaram empregos, bolsas de estudo e viagens aos moradores de Gaza.

    O Egito também restringiu severamente a liberdade de movimento dos moradores de Gaza, e seu posto de fronteira para ingresso e saída do território só esteve aberto durante 17 dias este ano. Em meio aos combates atuais entre Israel e os militantes do Hamas, que controla Gaza, apenas as pessoas dotadas de passaportes egípcios ou estrangeiros, ou de permissões especiais de viagem, foram autorizadas a sair.

    Mesmo o Mar Mediterrâneo, a oeste, não oferece escape. Israel não permite que barcos se aproximem a menos de cinco quilômetros de Gaza. E a faixa, cujo espaço aéreo é controlado por Israel, não tem aeroporto.

    Assim, enquanto três milhões de sírios deixaram seu país por conta da guerra civil que lá acontece, mais e mais do 1,7 milhão de moradores de Gaza vem deixando as áreas limítrofes da faixa e se concentrando na área central, já superlotada, da cidade de Gaza.

    Jim Hollander/Efe/Epa
    Tanques israelenses se movimentam no sul do país, perto da fronteira com a faixa de Gaza
    Tanques israelenses se movimentam no sul do país, perto da fronteira com a faixa de Gaza

    A família al-Attar, do norte de Gaza, ocupava uma sala de aula em uma escola da ONU no domingo, um total de 27 parentes; as roupas da família estavam penduradas dos ganchos que os alunos usam para pendurar suas mochilas. Eles primeiro se refugiaram na casa de um parente, onde 34 pessoas dividiam dois aposentos, e depois tentaram alugar um apartamento, mas não encontraram nenhum. Eles querem uma trégua, para que possam voltar para suas casas. Mesmo aqui, no centro de Gaza, ocorreram diversos ataques mortíferos durante o dia, inclusive um episódio que causou a morte de quatro crianças.

    O problema, disse Maissa al-Attar, 21, "é que quando estamos fugindo dos bombardeios, encontramos os bombardeios nos esperando".

    No domingo, famílias estavam tentando escapar a pé de barragens de artilharia, ou sendo mortas em suas casas, enquanto os israelenses avançavam pelo bairro de Shejaiya, na cidade, em uma operação que as forças armadas de Israel anunciaram ter por objetivo localizar e destruir túneis utilizados por militantes do Hamas para entrar em território israelense e conduzir ataques.

    O caos levou alguns observadores externos a perguntar por que as pessoas não saíram mais cedo, antes que a ofensiva terrestre se aproximasse delas. As forças armadas israelenses afirmam que deram aos moradores de Gaza todas as oportunidades para evitar ferimentos, apelando que evacuem os bairros que estão por ser atacados. Panfletos foram lançados sobre Shejaiya no sábado, disseram os moradores, e um importante líder das forças armadas israelenses declarou que os avisos haviam começado dias antes.

    "Ficar em casa quando você está 100% seguro de que haverá combate na área é muito pior", disse o líder israelense. "O melhor é sair por três ou quatro dias; melhor do que ficar no campo de batalha".

    Ainda assim, muita gente só fugiu quando começaram os disparos de artilharia. As autoridades israelenses especulam que os militantes do Hamas tenham ameaçado as pessoas de retaliação caso partissem, e que as usam como escudos humanos. Os moradores de Gaza não mencionam esse tipo de ameaça como fator - ainda que alguns dissessem que não se sentem livres para criticar o Hamas.

    Temores como esse não parecem ter influenciado as 81 mil pessoas que fugiram para abrigos da ONU e outras dezenas de milhares que se refugiaram nas casas de parentes.

    Mas o Hamas pode ter iludido as pessoas e despertado uma falsa sensação de segurança. O movimento proclamou no rádio e na televisão que os alertas de Israel eram parte de uma operação psicológica, e instou as pessoas a ignorá-los. Algumas pessoas se surpreenderam com o grau de penetração a oeste que Israel realizou nessas áreas no domingo, tendo calculado que apenas as áreas ao leste, mais próximas da fronteira, estivessem sob séria ameaça.

    Outro fator é que as famílias estendidas da faixa de Gaza podem ter dezenas de membros - metade dos moradores da região são crianças - e transferi-las não é uma operação simples. As famílias têm raízes profundas em seus bairros, e muitas não têm quem as receba em outros locais.
    Os al-Attar pensaram em vender suas terras perto da fronteira israelense e se mudar para lugar mais seguro, mas não conseguem bancar um apartamento na cidade de Gaza, onde a escassez de terrenos, especialmente perto do mar, resulta em preços altos.

    Além disso, os membros da família dependem de suas terras, nas quais cultivam legumes e criam galinhas, para alimentação e sustento. E, disse al-Attar, "não é só o caso de vender uma casa e comprar outra; estamos falando de nossa vida e da vida de nossos avós".

    Sob fogo em Shejaiya, alguns moradores disseram que eles simplesmente não querem aceitar ordens de um governo estrangeiro que veem como ocupante, e que preferiam ficar em casa. Um homem, domingo, tendo acompanhado a família para uma área que não estava sob bombardeio, declarou: "Vou voltar. Não tenho medo", e começou a caminhar de volta para o bairro, sobre o qual pende a fumaça das explosões. Só depois que a irmã correu atrás dele e pediu que ficasse ele reconsiderou.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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