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    'Na África, veem o ebola como um mito criado pelo governo', diz médico

    LEANDRO COLON
    DE LONDRES

    31/07/2014 01h30

    Focado no tratamento do surto do ebola que atinge a África Ocidental, o médico britânico Oliver Johnson, 28, diz que a falta de estrutura e a desinformação estão contribuindo para a dificuldade em conter a doença.

    "Muitas acreditam que o ebola não é real, mas um mito criado pelo governo para roubar órgãos ou dinheiro dos doadores", disse à Folha, por e-mail, de Freetown, capital de Serra Leoa, país onde 224 pessoas já morreram infectadas este ano em 525 casos detectados.

    O médico, que atua há um ano e meio na região, é diretor de um programa do King´s College, de Londres. Ele não vê motivos para pânico para quem vive fora da África.

    Nesta quarta (30), autoridades britânicas de saúde fizeram uma reunião de emergência para tentar evitar a chegada da epidemia no país.

    O surto já matou 672 pessoas na Guiné, Libéria, Serra Leoa e Nigéria.

    A organização americana Peace Corps anunciou que está tirando todos seus voluntários da região. A Libéria anunciou o fechamento de suas escolas.

    A doença é contraída a partir de contato com fluidos corporais de pessoas ou animais infectados. Sua taxa de mortalidade pode chegar a 90% -no atual surto está em 60%.

    *

    Folha - Qual sua avaliação sobre esse novo surto?
    Oliver Johnson - É difícil dizer exatamente se estamos tendo mais casos ou menos, assim como não sabemos se estamos diagnosticando todos. O que está claro para nós é que estamos vendo pacientes em mais lugares. Originalmente, o vírus estava concentrado em dois distritos, mas estamos vendo casos em 12 das 14 áreas de Serra Leoa.

    Há alguma razão particular para o surto e o local dele?
    São dois os motivos. O primeiro é que a África é um lugar de alto risco de transmissão pelos animais, onde o vírus pode ficar como um reservatório por décadas. Isso é por causa dos animais que vivem na África, como morcegos e macacos, e também por causa do comércio de carne de animais selvagens. As pessoas matam e comem os animais e se expõem ao vírus. O segundo motivo é a fragilidade do sistema de saúde, que desafia a logística e o controle da infecção. Muitas pessoas acabam sendo tratadas em casa, sem lavar as mãos nem usar luvas.

    Como vocês estão tentando controlar a doença?
    A chave é ter certeza de que os pacientes infectados sejam rapidamente isolados no hospital, seus contatos controlados todos os dias e que você possa imediatamente isolar qualquer pessoa que mostre sintomas.
    Temos visto muita desconfiança das pessoas. Muitas acreditam que o ebola não é real, mas um mito criado pelo governo para roubar órgãos ou dinheiro dos doadores. Outras acreditam que vão para o hospital para serem mortos pelos trabalhadores de saúde.
    Muitas ficam em casa para serem tratados por parentes, que acabam sendo expostos à doença. Outros escapam dos hospitais para ajudar familiares.

    Qual o risco de o vírus atingir outros países ou continentes?
    Não há nenhuma razão para as pessoas de outros lugares entrarem em pânico. É muito pouco provável um surto de ebola fora do contexto de recursos limitados como o da África Subsaariana.

    Há um pequeno risco de um ou dois casos irem para a Europa, mas é muito pouco provável que possa causar um surto. Isso porque os riscos de transmissão são muito mais baixos -as pessoas lavam as mãos com mais frequência e são mais propensas a ir para hospitais quando ficam doentes. Os hospitais têm excelentes controles de infecção e qualquer um exposto a um paciente infectado seria rapidamente identificado e isolado. Os aeroportos e hospitais estão em alto alerta.

    Por que é difícil avançar os estudos para uma vacina que combata o vírus ou para algo que cure a doença?
    Há alguns tratamentos de apoio que você pode dar para a pessoa sobreviver, como medicamento intravenoso ou paracetamol, mas não há cura. A principal razão para o pouco investimento é que, em termos globais, poucas pessoas são infectadas, centenas entre milhões, e a maioria é de países pobres e que não pode gastar com remédios caros. O incentivo para desenvolver novos remédios é quase todo guiado pelo lucro, e nenhuma empresa está disposta a investir milhões de dólares na produção de uma droga para o ebola.

    Como está a estrutura para tratamentos em Serra Leoa?
    Os centros de saúde foram sobrecarregados antes mesmo deste surto e, por isso, há uma grande escassez de infraestrutura.

    O senhor não teme ser infectado ao tratar dos doentes?
    Estou atento aos riscos. Toda hora em que coloco o equipamento de proteção e vou para a sala de isolamento, fico atento, já que qualquer erro poderá nos infectar. Confio no sistema de proteção, que segue todas as precauções. É um risco, mas tudo o que desejamos é conter a epidemia.

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