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    Iraquianos sob domínio do EI em Mossul começam a mostrar resistência

    FAZEL HAWRAMY
    DO "GUARDIAN"

    04/08/2014 12h12

    Os iraquianos que vivem sob o domínio do Estado Islâmico (EI) no Iraque, onde os moradores não sunitas foram expulsos de suas casas e dezenas de mesquitas foram classificadas como idólatras e marcadas para destruição, começaram a reagir à interpretação extrema do islamismo que vem sendo imposta a eles.

    O EI conquistou tremendas vitórias territoriais e declarou um califado islâmico nas porções de território que capturou, de Al Bab na Síria a Falluja no Iraque. Os Estados Unidos recentemente admitiram que o EI era pior que a Al Qaeda e que constituía "um verdadeiro exército".
    Os Estados Unidos ampliaram seus voos de reconhecimento sobre Mossul de um por mês, dois meses atrás, a 50 por dia.

    Os combatentes do EI enfrentaram o exército sírio, o exército iraquiano e os peshmerga (combatentes irregulares) curdos, e conquistaram territórios contra todos eles, mas revelaram sua fragilidade no governo - especialmente, uma brutal desconsideração quanto aos valores religiosos e culturais locais.

    Na cidade iraquiana de Mossul, a despeito de seus triunfos militares, o EI está perdendo os corações, mentes e a obediência dos moradores, que se declaram fartos.

    Quando os combatentes do Isil destruíram a mesquita de Nabi Jonah (tumba de Jonah), em Mossul, na quinta-feira passada, eles não removeram as cópias do Corão e de outros textos sagrados. Moradores que vasculharam as ruínas encontraram páginas rasgadas e calcinadas dos livros santos espalhadas em meio aos destroços. Foi um insulto ao Islã que os moradores registraram em vídeo e uniu a cidade em indignação.

    "[O EI] alega que ter túmulos dentro de uma mesquita é heresia, mas e quanto ao Corão? Por que eles não removeram o Corão da mesquita antes de destrui-la?", disse ao "Guardian" um morador local, que pediu que seu nome não fosse citado.

    Os combatentes - que aderem a uma interpretação extrema do islamismo sunita que requer a destruição de templos e túmulos por serem expressão de idolatria - teriam ao que se sabe preparado uma lista de cerca de 50 mesquitas para destruição.

    O EI tem uma unidade chamada Katayib Taswiya, ou Batalhão de Demolição, cuja tarefa é identificar mesquitas heréticas que devem ser destruídas. O batalhão destrói completamente quaisquer mesquitas construídas sobre sepulcros. Se um cemitério foi construído depois da mesquita, eles destroem as tumbas e qualquer seção da mesquita que esteja sobre elas. Até agora, ao que parece 50 mesquitas foram marcadas para destruição em Mossul.

    Entre elas estão um templo ao profeta Sete - considerado, no islamismo, judaísmo e cristianismo, como terceiro filho de Adão e Eva - e a mesquita do profeta Jirjis, do século 14, bombardeada e quase destruída na sexta-feira. O renomado arquiteto iraquiano Ihsan Fethi descreveu a destruição do sítio de patrimônio histórico universal em Nineveh como "suicídio cultural".

    Falando ao "Guardian" em Mossul, o músico Bashar, 38, disse que os moradores locais haviam tentado ocupar as mesquitas ameaçadas pelo EI em um esforço para impedir os combatentes de bombardeá-las.

    Quando o Batalhão de Demolição começou sua ação na mesquita de Jirjis, no bairro de Souq al-Sharin, alguns moradores decidiram resistir. Na sexta-feira e no sábado, moradores locais dormiram na mesquita, com a esperança de que sua presença dissuadisse os militantes de tentar demoli-la. Os combatentes voltaram no domingo e executaram a destruição planejada do cemitério. A maior parte da mesquita continua em pé.

    O EI defendeu sua destruição dos sítios em um post em seu principal site, terça-feira: "A demolição de estruturas erigidas sobre túmulos é uma questão de grande clareza religiosa. Nossos pios predecessores o fizeram... Não existe debate sobre a legitimidade de demolir ou remover esses túmulos e templos".

    Mas no domingo, Mossul manteve seu desafio. Os moradores definiram a segunda-feira como primeiro dia do Eid al-Fitr, o final do mês de jejum do Ramadã. Na noite de domingo, os militantes desfilaram pela cidade ordenando aos cidadãos, por meio de alto-falantes instalados em veículos, que continuassem o jejum na segunda-feira ou seriam punidos. Os avisos foram ignorados. Na segunda-feira, a chegada do Eid foi anunciada nas mesquitas de Mossul. Diante da reação do público, o EI mudou de ideia e depois de algumas horas anunciou também o fim do Ramadã.

    Mossul, uma cidade que existe há pelo menos oito mil anos, é considerada como tesouro arquitetônico, com muitos sítios que fazem parte do patrimônio cultural da humanidade, ligados a diferentes religiões e seitas. Apelidada de "pequeno Iraque", a cidade abriga pessoas de ampla variedade de religiões e etnias que lá viveram pacificamente por séculos.

    A solidariedade foi exibida na semana passada quando milhares de moradores cristão receberam um prazo para conversão ao islamismo até o meio dia do sábado, pagar um imposto especial ou "enfrentar a espada". Cristãos em fuga informaram ao "Guardian" que, quando estavam se preparando para partir, temendo as ameaças dos militantes, seus vizinhos muçulmanos os aconselharam a ficar e prometeram defendê-los caso o EI agisse contra eles. A maioria da população cristão fugiu, ainda assim, para áreas sob o controle do governo regional do Curdistão.

    Neste final de semana, surgiram informações na cidade de que o EI havia ordenado o fechamento dos salões de beleza e imposto restrições específicas aos cabelos e barbas dos homens. Os suprimentos de medicamentos, especialmente para os pacientes de doenças renais, estão se esgotando.

    No que pode ser uma indicação da ressentimento e raiva da população local, dois combatentes do EI aparentemente foram mortos a tiros em plena luz do dia no bairro de Qayara, sul de Mossul, no domingo. Uma testemunha informou ao "Guardian" que viu três atacantes fugindo do local do ataque pelos estreitos becos da cidade. A alegria com o que o EI foi recebido inicialmente em Mossul, como libertador da população sunita depois de anos de corrupção sectária e de restrições impostas pelo exército iraquiano, talvez já tenha se esgotado.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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