• Mundo

    Sunday, 05-May-2024 10:42:52 -03

    Renúncia de Nixon evitou exposição de intimidade

    CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    09/08/2014 09h34

    No filme "Nixon" (1995), de Oliver Stone, Henry Kissinger diz, enquanto assiste ao discurso de renúncia de Richard Nixon, em 8 de agosto de 1974: "É uma tragédia, porque ele [Nixon] teve a grandeza ao seu alcance".

    Stone, insuspeito de simpatia pelo personagem, retratou bem as contradições do 37º presidente dos EUA. As frases que pôs na boca de Kissinger as resumem com felicidade. "O que esse homem não teria feito se tivesse sido amado..."; "ele tinha os defeitos de suas qualidades".

    Os últimos dias do governo Nixon foram uma síntese do drama de proporções shakespearianas que foi a vida de Richard Nixon.

    Em 17 de junho de 1972, cinco homens invadiram a sede do Partido Democrata, no complexo Watergate, em Washington. A invasão visava instalar microfones secretos para gravar conversas que pudessem embaraçar o candidato da oposição à Presidência, George McGovern.

    Os assaltantes eram parte do grupo "os encanadores", que Nixon criou para impedir vazamentos como o dos documentos do Pentágono.

    Eram pessoas de baixo nível intelectual e mínima preocupação com moralidade.

    Sua existência na Casa Branca só se explicava pela obsessão de Nixon em deter controle absoluto sobre tudo e em destruir, se possível completamente, os que enxergava como inimigos.

    Todas as pesquisas indicavam que ele teria vitória esmagadora sobre McGovern em novembro de 1972. Não havia a menor necessidade de se valer de golpes sujos.

    Mas Nixon não se contentava com uma simples vitória: queria a vitória total, para livrar-se de vez dos que odiava, os integrantes da elite intelectual e econômica, que haviam tido quando jovens, ao contrário dele, todas as oportunidades de sucesso.

    Esse complexo de inferioridade se personificava em especial na figura de John Kennedy e de seus irmãos, ricos, bonitos, educados, atléticos.

    Kennedy derrotara Nixon na eleição de 1960 por margem irrisória, e provavelmente devido a fraudes. Nixon nunca absorveu a derrota nem perdoou os Kennedy e seus apoiadores.

    A mania pelo controle também explica por que Nixon instalou o sistema de gravações na Casa Branca que, no fim, levou à sua derrocada.

    Tudo que era dito no Salão Oval era gravado. E muito do que se disse revelou a sua personalidade doentia e crimes que cometeu.

    As fitas, especialmente os 18 minutos e meio apagados após a Suprema Corte ter determinado que elas fossem entregues, seriam determinantes para o impeachment, que sem dúvida ocorreria se ele não tivesse renunciado.

    E provavelmente a principal razão que o levou à renúncia foi preservar o segredo do conteúdo das fitas, de modo a nunca permitir que sua nudez fosse integralmente exposta aos "esnobes", que teriam ainda mais motivos para desprezá-lo.

    Como declarou em 1977, na primeira entrevista após o caso, feita por David Frost (retratada no filme "Frost/Nixon"): "deixar o cargo antes do fim do mandato era abominável para todos os instintos do meu corpo; eu nunca desisti de nada".

    Até 1996, só 63 das 3.700 horas de gravação foram divulgadas. Naquele ano, as filhas do presidente (que morreu em 1994) chegaram a um acordo com a Justiça, pelo qual 820 horas das fitas jamais serão reveladas ao público. De algum modo, Nixon teve o que queria.

    Mesmo assim, Watergate ainda tem peso desproporcional na avaliação pública de Nixon, e não ocorre o que Bill Clinton prescreveu em seu funeral: "Que cesse qualquer julgamento de Nixon que não leve em conta a integridade de sua vida e carreira".

    CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é editor da revista "Política Externa" e Global Fellow do Woodrow Wilson Center

    Editoria de arte/Folhapress
    Fatos do governo Nixon; governante assumiu em 1969 com promessa de pôr fim à Guerra do Vietnã (1955-1975)
    Fatos do governo Nixon; governante assumiu em 1969 com promessa de pôr fim à Guerra do Vietnã (1955-1975)

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024