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    Canal foi determinante para independência panamenha

    RODRIGO VIZEU
    ENVIADO ESPECIAL AO PANAMÁ

    15/08/2014 03h08

    Chefe das obras do canal de Suez, no Egito, o visconde francês Ferdinand de Lesseps tinha a fama necessária em seu país nos anos 1870 para ser o líder natural de uma empreitada ainda maior: construir uma ligação para embarcações entre os oceanos Atlântico e Pacífico.

    Lesseps foi o primeiro a investir em uma obra que consumiria riquezas, reputações e as vidas de mais de 30 mil pessoas na América Central.

    O canal do Panamá, que completa cem anos nesta sexta (15), acabou finalizado pelos EUA, em 1914.

    A gigantesca obra de 77 km foi decisiva para a independência da pequena nação e melhorou sua infraestrutura, mas impôs décadas de ocupação e ingerência dos EUA.

    O canal, que encurtou viagens antes feitas pelo sul das Américas, está sendo ampliado para receber navios maiores e em maior quantidade.

    O Panamá tem um desafio nos próximos anos: competir com outro megacanal em projeto na Nicarágua. Trata-se de um plano da China, que quer fazer a travessia sem as estritas regulações panamenhas, herdadas dos EUA.

    Outra necessidade é distribuir melhor os ganhos com as passagens dos navios, que pagam até US$ 300 mil cada um pela travessia.

    O chefe de Turismo do Panamá, Jesús Sierra, admite que o desenvolvimento do país "deixou alguns à margem". Mais de um terço da população vive na pobreza.

    IDENTIDADE

    O canal ajudou a moldar a própria existência panamenha. "O canal praticamente define o Panamá. Existimos como nação, como país, por causa do canal", diz o escritor Ovídio Diaz Espino ao documentário inédito "Panamá: o país que uniu o mundo", do History Channel.

    Os franceses fracassaram na obra devido a erros de engenharia, corrupção e doenças tropicais, que mataram 25 mil trabalhadores. A tentativa de arrecadar fundos com venda de ações levou à ruína pequenos acionistas e à condenação de Lesseps à prisão.

    Para recuperar o que investiu, outro francês, Philippe Bunau-Varilla, articulou a venda da obra inacabada, do terreno e das máquinas para os EUA do presidente Theodore Roosevelt, interessado em dar à potência em ascensão o controle da passagem.

    Bunau-Varilla também fomentou o separatismo do Panamá, então parte da Colômbia. Em troca, virou representante do Panamá no exterior e impôs até a primeira bandeira e a primeira Constituição do novo país.

    Os EUA garantiram militarmente a independência panamenha. Assim, ganharam controle perpétuo da travessia e da zona de terra em torno dela, que virou, na prática, uma colônia americana cortando o Panamá ao meio.

    Em 1977, um novo tratado estabeleceu administração conjunta da área até 1999, quando o Panamá passou a controlar totalmente o canal.

    "Tivemos que lidar com o fenômeno intervencionista, que nos marcou", afirma o historiador Luis Navas, da Universidade do Panamá.

    Ele diz que o controle americano do fator vital da economia panamenha limitou o desenvolvimento do país. Na Zona do Canal, os americanos impuseram práticas discriminatórias e seguiam apenas suas próprias leis.

    O historiador lembra, porém, que foram os americanos que, para estancar as mortes de operários por febre amarela, promoveram amplas obras de saneamento básico. A construção e a operação do canal também criaram empregos especializados.

    Marcela de Antinori, descendente do líder independentista e primeiro presidente do país, Manuel Amador Guerrero, demonstra simpatia pelo papel dos EUA na história de seu país.

    "Quem nos culpa de ter necessitado de apoio americano se a história revela que os próprios americanos, ao se separarem da Inglaterra, buscaram franceses e espanhóis?", diz, acrescentando que, sem os vizinhos do norte e seu canal, o Panamá "teria sido uma selva".

    O jornalista RODRIGO VIZEU viajou a convite do History Channel

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