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    Fantasias escondem lucros e conflitos em NY

    KIRK SEMPLE
    DO "NEW YORK TIMES"

    19/08/2014 02h00

    Ricardo Rodríguez não chegou levianamente à decisão de se tornar personagem de desenho animado. Antes de se misturar aos Elmos, Minnies e Batmans que posam para fotos e pedem gorjetas aos transeuntes na movimentada Times Square, em Manhattan, Rodríguez passou uma semana estudando os concorrentes. Analisou o comportamento dos turistas. Calculou o potencial de faturamento. E, na ausência de qualquer pessoa que se fantasiasse como um determinado astro da Nickelodeon, ele divisou uma oportunidade. Assim nasceu Bob Esponja Rodríguez.

    Em seu primeiro dia de trabalho na região central de Manhattan, ele faturou US$ 80 (R$ 180) em cinco horas, ganho superior ao da série de empregos temporários que ele vinha ocupando desde que emigrou do Equador para os Estados Unidos, em março.

    "Jamais imaginei que faria isso", diz Rodríguez, 35. "Mas se você pensar na vida como uma rica experiência, o dinheiro virá".

    Nos últimos anos, os personagens fantasiados se tornaram onipresentes. Para alguns críticos, eles são pouco mais que mendigos em trajes multicoloridos, e um incômodo crônico na praça que se define como encruzilhada do mundo.

    Mas entrevistas com os homens e mulheres que usam as máscaras revelam uma população frouxamente definida de free-lancers que fizeram de uma cidade em Nova Jersey um enclave de Mickeys.

    A maior parte desses artistas são imigrantes e muitos deles não têm documentação legal, vivendo de um de um dia para o outro e lutando para negociar um relacionamento complicado com a polícia enquanto batalham para sustentar suas famílias, nos EUA e nos seus países de origem.

    Eles estão sofrendo pressão ainda maior depois de um recente confronto violento entre um policial e um sujeito vestido de Homem-Aranha. O homem foi detido depois de brigar com o policial, que interveio ao presenciar esforços agressivos de solicitação de gorjetas, segundo as autoridades.

    O episódio foi o mais recente em uma série de encontros desagradáveis que deixaram os artistas de rua em situação desconfortável. Dois outros homens que se fantasiam de Homem-Aranha foram detidos em incidentes separados, em junho, um deles acusado de bolinar uma mulher e o outro de agredir uma mulher (ele foi considerado inocente, mas multado por assédio).

    Em sua defesa, os artistas dizem que não deveriam ser todos julgados com base nas ações de uns poucos.

    "Não somos todos iguais", diz Manuel Fernández, 24, imigrante da República Dominicana. Certa noite, recentemente, ele estava fantasiado de Estátua da Liberdade, usando uma longa toga azul-esverdeada e segurando uma tocha de plástico.

    "Estamos simplesmente tentando melhorar de vida nos Estados Unidos", ele disse, por trás de sua máscara de borracha.

    Os ganhos podem variar amplamente, de apenas US$ 30 (R$ 68) por oito horas de trabalho até picos de mais de US$ 200 (R$ 454).

    Os artistas de rua veteranos dizem que os primeiros personagens de quadrinhos começaram a aparecer no centro de Manhattan por volta do começo dos anos 2000. Uma das veteranas entre eles, Berta Guerra, 50, imigrante mexicana, estreou como Elmo uma década atrás; ela trabalha também como operária em duas fábricas.

    E o número de artistas de rua disparou em 2011, com a criação das ruas de pedestres.

    Muitos desses artistas vivem nos bairros de classe operária de Nova Jersey, do lado de lá do rio Hudson. "Na casa ao lado moram cinco Elmos", diz Miguel Lezama, 27, mexicano morador de Passaic, Nova Jersey. Apontando em outra direção, ele diz "Lá, um Cookie Monster e uma Minnie. Na casa em frente, um ursinho Winnie-the-Pooh e uma Minnie. Na Main Avenue, muitos outros". Ele se detém. "Moro com um Cookie Monster".
    Depois de chegar aos Estados Unidos em 2007, Lezama encontrou trabalho em jardinagem e na construção civil. Mas decidiu seguir um amigo e ingressar no negócio da arte de rua. Investiu em uma fantasia de Elmo, comprada usada por US$ 150 (R$ 340) de um conhecido peruano que a havia importado do Peru, a origem de alguns das melhores fantasias não licenciadas. (Fantasias peruanas novas podem atingir preço de até US$ 400, ou R$ 910, nos EUA.)

    As leis da cidade determinam onde os artistas podem trabalhar e o que eles têm direito de fazer. Existe uma distinção complicada entre coletar doações e solicitar esmolas agressivamente, o que é ilegal. Poucos deles parecem conhecer plenamente as regras, em parte por conta da barreira do idioma: muitos não falam inglês.

    Há uma animosidade discreta entre os diferente grupos. Os personagens de desenho animado culpam os super-heróis por arruinar a imagem de todo o grupo. Os imigrantes sem documentos dizem que os cidadãos norte-americanos, que não temem deportação, violam as leis com arrogância.

    E os veteranos culpam os novatos, dizendo que eles só querem dinheiro e não respeitam a disciplina de seu trabalho.

    "Somos artistas de rua", disse Fernández. "Mas a maioria não tem senso de arte. Simplesmente coloca a fantasia para ganhar dinheiro", completou.

    Ele sugeriu que seu trabalho pode se aproximar do sublime. "Trate bem os turistas e eles acharão que foram bem tratados pela Estátua da Liberdade em pessoa", ele diz.

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