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    'A ONU não atua com base em justiça, é só política', diz conselheiro de Netanyahu

    LEONARDO BLECHER
    DE SÃO PAULO

    22/08/2014 02h00

    O advogado israelense Daniel Reisner exerce considerável influência nas decisões militares do governo do premiê Binyamin Netanyahu.

    Após ser chefe da Divisão de Lei Internacional do Exército (ILD) de 1995 a 2004 e negociador dos acordos de paz com os palestinos nos anos 1990, ele aconselha governantes sobre o aspecto jurídico da guerra.

    À Folha Reisner criticou as Nações Unidas e disse que a operação em Gaza não trará tranquilidade aos israelenses no longo prazo.

    Leia trechos da entrevista.

    *

    Folha - O que o sr. acha da relação entre Israel e a ONU?
    Daniel Reisner - A ONU é basicamente um órgão político. Não trabalha com base em igualdade, justiça. É só política. Israel é minoria em quase todas as agências da ONU. Quando você faz parte da minoria, você não gosta da ONU; quando é maioria, você gosta, como em qualquer clube. Em discussões oficiais, ok, mas no momento em que você chega no lado político...

    Por outro lado, Israel tem o parceiro mais poderoso...
    Os Estados Unidos ajudam quando decisões realmente ruins chegam ao Conselho de Segurança e, às vezes, eles as impedem. Mas no dia a dia da ONU, os EUA não têm tanto poder. Além disso, Israel não pode pedir ajuda aos EUA todos os dias. Isso tem um custo político, então se limita apenas às coisas grandes. Cada vez que eles fazem algo para nós, eles também nos pedem para fazer algo.

    O governo precisou de sua ajuda durante o atual conflito?
    O primeiro-ministro às vezes pede conselhos. Um exemplo de decisão difícil são os avisos dados a civis antes de ataques. Em muitos aspectos, isso é uma ideia estúpida, porque estamos contando a eles [Hamas] aonde estamos indo. Perdemos o elemento surpresa. Mas permitimos que os civis deixem a área. A Lei Internacional não requer este aviso.

    Digamos que nós damos o aviso. O que acontece com os civis que ficaram? O Hamas ameaça quem atender aos alertas de Israel. Os avisos são sempre decisões difíceis.

    Os civis que ficam em suas casas são alvos legítimos?
    Não. Mas isso significa que o Hamas tem uma vantagem. Eu acho que temos que continuar tomando o maior cuidado possível com os civis.

    O Hamas cria uma situação em que temos que parar uma operação porque os civis estão com medo de fugir. Eles têm mais medo do Hamas do que de nós. É uma péssima situação.

    Considerando o número de civis mortos, Israel está usando a estratégia certa?
    Israel não tem nenhuma intenção de ferir civis palestinos. Primeiro pela perspectiva ética e moral. Segundo, sabemos que cada vítima civil será usada contra nós. O Exército de Israel usa mais medidas protetivas do que qualquer outro no mundo.

    Os ataques a escolas e hospitais põem em dúvida a legalidade da operação?
    Não, a legalidade da operação como um todo está clara. Israel foi atacado por milhares de foguetes e tem todo direito de responder. Entretanto, isso não significa que não devemos investigar cada incidente para ter certeza de que tudo foi feito da maneira correta.

    O Exército pode fazer uma investigação confiável nele mesmo?
    Não há resposta perfeita. Eu entendo que pareça suspeito que um exército investigue a si mesmo. Mas na maioria dos países essa é a forma padrão de operação militar.

    O exército é uma organização muito grande. Então, você precisa garantir que a pessoa responsável pela investigação não esteja na linha de comando da operação. Se você escolher um coronel independente, que não tem relação com a unidade em questão, será diferente de pedir a um comandante que investigue a si mesmo.

    Também deve haver transparência e uma revisão externa.

    Israel tem um parceiro de negociação do lado palestino?
    Eu não acho que temos uma alternativa. Mahmoud Abbas [presidente da Autoridade Nacional Palestina] está tentando sobreviver a uma situação muito difícil. De um lado, está o legado de Yasser Arafat, líder histórico do povo palestino. Tudo o que Arafat dizia "não", se Abbas disser "sim", poderá ser chamado de traidor. Do outro lado, está o Hamas dizendo: "Nós somos a alternativa ao fraco Abbas".

    Minha experiência diz que se não há alternativa, se usa o que se tem. Está longe de ser o parceiro perfeito, mas é o que nós temos. Eu diria que é uma situação ruim se tivéssemos alternativa. Mas não temos.

    É possível negociar com o Hamas?
    Há duas questões: se nós queremos falar com eles e se eles querem falar conosco. Muitas pessoas acreditam que é errado negociar com uma organização terrorista. Em geral, eu concordo. Mas também concordo que temos que fazer paz com nossos inimigos, não com os amigos.

    Se o Hamas estivesse aberto a discutir uma futura relação entre israelenses e palestinos, vivendo lado a lado em coexistência, eu particularmente falaria.

    O Hamas está mais forte que antes?
    Não acho que esteja mais forte. Eles ficaram encurralados. No passado, eles contaram a eles mesmos a história de que eram parte de uma coalizão maior, de árabes lutando contra Israel. Eles contaram a história de que podiam nos bater militarmente.

    E aí esta guerra começou, eles perderam militarmente e também politicamente. Eles estão totalmente sozinhos, mas também estão feridos. E quando estão feridos, tornam-se perigosos.

    Essa operação valeu a pena? Trará paz aos israelenses?
    Eu não acho que esse tipo de operação possa trazer paz a longo prazo. A paz só se alcança com acomodação política. Essa operação pode trazer paz temporária, que, se for longa o suficiente, é boa. Eu não gosto de ficar correndo para um abrigo toda hora, ninguém gosta.

    Mas a solução é política. A única solução militar seria reocupar Gaza, e isso traria novos tipos de problema.

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