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    Twitter exclui contas de usuários que compartilharam vídeo de decapitação

    JAMES BALL
    DO "GUARDIAN"

    22/08/2014 12h12

    O Twitter se meteu em apuros. A decisão tomada pela rede social de remover todos os links para as imagens terríveis que aparentemente mostram o fotojornalista James Foley sendo decapitado tem o apoio –justo– da maioria de seus usuários.

    A rede social foi mais longe, suspendendo ou expulsando usuários que compartilharam o vídeo ou certos fotogramas, depois de o executivo-chefe da empresa, Dick Costolo, ter tuitado que tomaria medidas contra tais usuários.

    Seria difícil imaginar que alguém tivesse um motivo justo para olhar ou compartilhar tais imagens bárbaras, mas a abordagem pró-ativa do Twitter reverte seu histórico longo de não intervenção.

    Desde que foi criado, o Twitter vem promovendo fortemente suas credenciais de defensora da liberdade de expressão.

    O ex-advogado da empresa chegou a caracterizá-la como "a ala de liberdade de expressão do partido da liberdade de expressão". Essa abordagem se caracterizava pelo fato de a rede só remover conteúdos em situações extremas -quando era obrigada a isso por governos, para obedecer a leis locais, ou por meio de canais diversos criados para reportar casos de assédio.

    A reação da rede ao vídeo e fotogramas de Foley constitui uma ruptura clara com essa abordagem: não apenas ela reagiu a queixas sobre posts que difundiram o material, como parece ter pró-ativamente buscado queixas em outras instância.

    No entanto, não existe um consenso universal em relação ao uso das imagens, algo que se reflete na decisão do "New York Post" e "New York Daily News" de usar imagens chocantes do vídeo em suas primeiras páginas.

    Aqui começam os problemas do Twitter: a rede decidiu não suspender nem expulsar nenhum dos dois veículos por terem compartilhado as imagens, mas expulsou outros usuários por terem feito o mesmo.

    O Twitter não tem se mostrado igualmente ansioso por policiar conteúdos em outras situações. Como muitas outras grandes empresas, ela insiste que não publica materiais, mas é uma plataforma.

    A distinção é importante: os publishers carregam muito mais responsabilidade pelo que aparece em seus sites. Ao continuar a ser uma plataforma, o Twitter é absolvido da responsabilidade legal pela maior parte do conteúdo do que é tuitado. Mas, ao tomar uma decisão basicamente editorial de não abrigar um certo tipo de conteúdo, a rede está confundindo essa distinção.

    Ela não se envolveu tão prontamente em outras instâncias em que seus usuários compartilharam conteúdos que ultrapassaram de longe o que seria mesmo remotamente aceitável, mesmo quando os incidentes tiveram perfil alto.

    No Reino Unido, ganhou atenção enorme uma campanha de ameaças de abusos e estupro contra a jornalista e militante feminista Caroline Criado-Perez, que fez uma campanha bem-sucedida para que a imagem da escritora Jane Austen aparecesse na nova cédula de dez libras esterlinas.

    As ameaças –tão graves que duas pessoas foram presas por envolvimento nelas– chegaram tão rapidamente, e de tantas fontes, que Criado-Perez não conseguiu combatê-las através dos procedimentos trabalhosos de denúncia de assédio exigidas pela rede.

    Outras mulheres que saíram em defesa da jornalista foram sujeitas a assédio maciço semelhante.

    E esse foi apenas um incidente entre muitos. A justificativa mais forte –e possivelmente única– dada pelo Twitter para explicar sua resposta lenta e mínima foi que só podia atuar através de seus canais próprios para assédio e que não podia se tornar curadora ou editora dos conteúdos veiculados em seu site.

    Com suas iniciativas da terça e quarta-feira, essa fachada está desmoronando: o Twitter está dizendo que compartilhar imagens de um assassinato exige intervenção urgente, mas ameaçar estuprar e mutilar uma pessoa, não? Quais são os critérios para a rede tomar medidas diretas? Por que alguns usuários podem compartilhar uma imagem e outros serão expulsos por fazerem a mesma coisa? Twitter, Facebook e Google possuem um grau alarmante de controle sobre as informações que podemos ver e compartilhar, quer sejamos um veículo de mídia ou um usuário comum.

    Depositamos um grau imenso de confiança neles, e essa confiança precisa ser conquistada e reconquistada regularmente.

    Se o Twitter decidiu tomar decisões editoriais, mesmo de modo limitado, é crucial que os critérios sejam anunciados claramente e abertamente de antemão e que sejam aplicados de modo consistente e igual. Quer você seja um defensor ardoroso da liberdade de expressão ou acredite com convicção que as redes precisam fazer mais para policiar seus quintais, o pior mundo possível para o fluxo de informação é aquele em que passarmos da vigência das leis democráticas para uma situação regida pelo grupinho arbitrário, inconsistente de grandes empresas, que talvez reajam sem pensar.

    Hoje é uma empresa que se dispõe a tomar medidas contra um conteúdo especialmente vil. E amanhã, o que será?

    Tradução de CLARA ALLAIN

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