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    Análise: Horror do Estado Islâmico expõe conflitos sobre resgate de jornalistas sequestrados

    NELSON DE SÁ
    DE SÃO PAULO

    08/09/2014 02h00

    Os seguidos espetáculos de horror do Estado Islâmico (EI), com as execuções dos jornalistas americanos James Foley e Steven Sotloff, desvendaram uma realidade até então sob blecaute na cobertura ocidental.

    Segundo o Comitê para a Proteção de Jornalistas (CPJ), mais de 80 profissionais foram sequestrados desde que começou a guerra na Síria.

    Eram 30 na virada do ano. Agora, com mortes e pagamentos de resgate, são 20.

    O CPJ divulgou os números para pedir o fim da "prática conhecida como blecaute de mídia, em que organizações noticiosas suprimem informações sobre sequestro de jornalistas" no Oriente Médio e mundo afora.

    Antes a organização apoiava a prática, por acreditar que ajudaria nas negociações de libertação, mas isso não se confirmou -e vem afetando a credibilidade da cobertura e o debate sobre as guerras.

    Com a morte de Foley, há quase três semanas, começaram a vir a público não só números mas também detalhes sobre o pagamento de resgate por países ocidentais ao EI e a grupos ligados à Al Qaeda.

    Na última semana, o Reino Unido cobrou publicamente que outros países europeus parem com os pagamentos. O EI ameaça decapitar agora um britânico -um escocês, às vésperas do plebiscito sobre a independência da Escócia.

    Seriam três os principais alvos do questionamento do Reino Unido: a Itália, a Espanha, que teria pago ao EI para libertar dois jornalistas em maio, e a França, que teria pago ao mesmo EI por outros quatro, em junho.

    Até os EUA estão sob suspeita, depois que a Frente al-Nusra, que atua na Síria sob orientação da Al Qaeda, libertou o jornalista Peter Theo Curtis em agosto, em acordo intermediado pelo Qatar.

    A ineficiência do blecaute informativo sobre o sequestro de jornalistas e o conflito em torno do pagamento de resgate às escondidas não foram as únicas questões levantadas pelo horror do EI.

    Foley, Sotloff e Curtis foram parar na Síria como freelancers, trabalhando por conta própria, recebendo relativamente pouco, sem apoio e proteção de estrutura mínima, por exemplo, de segurança.

    O depoimento franco da editora que publicava textos de Sotloff no jornal israelense "Haaretz" expõe dilemas com a precarização dos correspondentes de guerra, escrevam eles para títulos estabelecidos ou sites recém-criados.

    Um trecho: "Eu poderia ter dito a ele que cobrir como freelancer era mais perigoso. Cobrir a Síria tinha se transformado numa tal armadilha para sequestros que até grandes organizações estavam evitando mandar jornalistas".

    Mas seu jornal, bem como as revistas "Time" e "Foreign Policy", ansiava pelos relatos de Sotloff. "Nós ficávamos sempre felizes de ter reportagens frescas, originais."

    Ela resume assim "o dilema do editor": "Numa era de orçamentos cada vez menores para cobertura internacional, ter um jornalista num local quente mundial é o que todo editor deseja -e com que poucos podem arcar".

    O quadro, alerta o CPJ, organização sediada em Nova York, não se limita à Síria ou ao Oriente Médio. Avança, entre outros pontos quentes, pela América Latina, com casos de execução de jornalistas do México ao Brasil.

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