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    Disputas políticas provocam caos no dia a dia de Caracas

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    15/09/2014 02h00

    O designer Richar Blanco, 36, vive num bairro de classe média de Caracas, mas enfrenta problemas típicos do subdesenvolvimento.

    "O fornecimento de água é intermitente e, ocasionalmente, falta luz. Para conseguir comida, é preciso fazer filas intermináveis. Às vezes, não há o que se buscar", diz.

    As queixas de Blanco ecoam sentimento de insatisfação generalizado com as condições de vida na capital venezuelana, que incluem inflação superior a 60% e taxa de homicídio entre as mais altas do mundo.

    "Há cada vez menos espaços de diversão. Eu gostava de jogar basquete numa quadra perto de casa, mas o lugar virou ponto da bandidagem", diz o vendedor Joaquin Lopez, 28, morador de um bairro popular.

    Leo Ramirez/AFP
    Sob racionamento, crianças levam galões d'água para encher longe de casa, em Caracas
    Sob racionamento, crianças levam galões d'água para encher longe de casa, em Caracas

    Caracas é uma das piores cidades do mundo para viver, segundo relatório divulgado no mês passado pelo centro de estudos britânico Economist Intelligence Unit, com base em cálculo que mescla percepção de moradores, analistas e cruzamentos de dados socioeconômicos.

    A capital venezuelana ocupa a 126º posição num ranking de 140 aglomerações que coloca Melbourne, na Austrália, em primeiro lugar, e Damasco, na Síria, em último.

    O estudo diz que Caracas foi a cidade latino-americana que registrou a queda mais abrupta em qualidade de vida, perdendo oito posições desde 2009. No mesmo período, São Paulo avançou uma. O destaque na América Latina foi a colombiana Bogotá, que saltou 15 posições.

    O responsável pelo estudo, Jon Copestake, disse à Folha que Caracas sofre as "mazelas de uma significativa convulsão social e política que afetou severamente a qualidade de vida".

    Para a oposição venezuelana, os problemas são culpa dos presidentes socialistas que governam o país há 15 anos –Hugo Chávez, morto em 2013, e seu sucessor, Nicolás Maduro.

    Eles são acusados de arruinar a economia ao expropriar empresas, impor controle cambial e de preços e aparelhar a estatal PDVSA, responsável pela maior reserva de petróleo do mundo.

    Essas políticas causam desabastecimento e inflação, segundo críticos.

    A direita diz que a situação de Caracas ficou especialmente complicada desde que o Executivo vem manobrando para solapar avanços eleitorais da oposição na capital.

    SUPERPREFEITURA

    Nas eleições de 2008, a direita arrematou a Prefeitura Metropolitana, espécie de superprefeitura que agrupa os cinco municípios da Grande Caracas.

    Em resposta, o governo do então presidente Chávez criou no ano seguinte o cargo não eleito de chefe de governo metropolitano, que esvaziou prerrogativas e orçamentos da Prefeitura Metropolitana.

    Quatro dos cinco municípios da Grande Caracas estão hoje nas mãos da oposição, o que acirra a disputa por autonomia e recursos.

    "Antigamente, as prefeituras tinham força para tocar projetos e reformas. Hoje há zero coordenação entre poderes, e isso afeta tudo, segurança, transporte, coleta de lixo etc", diz a arquiteta Zulma Bolívar, presidente do Instituto de Urbanismo da Prefeitura Metropolitana.

    Segundo Bolívar, o Executivo não consegue nem cumprir a promessa de amparar os pobres, que, segundo ela, são as maiores vítimas da crise econômica e continuam vivendo em morros sujeitos a deslizamentos de terra.

    A reportagem contatou setores governistas da administração de Caracas, sem resposta.

    O chavismo afirma que a criação do cargo de Chefe do Governo Metropolitano está prevista na Constituição. O governo federal também nega ter esvaziado poderes municipais e insiste em que cabe aos prefeitos administrar problemas locais.

    MELHORIAS

    A ONG Por uma Caracas Possível, que milita pela qualidade de vida na capital e se diz politicamente independente, relativiza o catastrofismo da oposição.

    Fredery Calderón, chefe da ONG, diz que a classe média perdeu muito em qualidade de vida, mas vê melhoras para os setores populares.

    "Os pobres têm mais acesso à saúde básica, a ambulatórios e até à moradia. Isso é fato", afirma.

    O problema, segundo ele, é que muitas das políticas governistas se mostram populistas e eleitoreiras, "sem visão de cidade."

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