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    Opinião: Escócia perdeu a oportunidade de mostrar seu valor

    RUTH WISHART
    DO "GUARDIAN"

    19/09/2014 12h14

    Não! As esperanças da campanha pelo "sim" finalmente morreram faltando oito minutos para as 5h, quando o resultado de Glasgow trouxe boas notícias para seus partidários, mas em número insuficiente para barrar o avanço tardio em direção ao "não".

    Foi o filho aristocrático quem acabou ganhando, parafraseando manchete infame do "Sun"?

    A entrada de última hora do ex-primeiro-ministro Gordon Brown na disputa freou a maré de eleitores trabalhistas que parecia estar se bandeando para o lado do "sim"?

    Duas noites antes do plebiscito, Brown, seguido pelo primeiro-ministro escocês Alex Salmond, deu uma longa entrevista a David Dimbledy no horário nobre da televisão.

    O que foi marcante não foi o que ele disse, mas foi o fato de ser Brown o entrevistado, em vez de Alistair Darling, líder da campanha Better Together (Melhor Juntos).

    Depois da entrevista, Brown fez discursos calorosos em comícios em favor do "não" na região centro-oeste da Escócia, antigo reduto trabalhista.

    Um dos comícios foi em Kilmarnock, o que pode explicar por que áreas como East Ayrshire recuaram de sua prevista deserção para o campo independentista.

    Em seus dias melhores, particularmente quando está na região onde se sente em casa, Gordon Brown pode ser um orador eletrizante. Poucos transmitem sinceridade melhor que Darling, mas o consenso geral era que faltava à sua campanha a paixão tão evidente nos grupos da campanha do "sim" que diariamente agitavam a bandeira escocesa nas ruas.

    E Brown fez questão de distanciar-se dos encontros tripartite da campanha Better Together, consciente de que os eleitores trabalhistas compartilham sua aversão a "dividir uma cama com os conservadores".

    O problema terá sido que, contrariando a tão citada analogia da campanha de Obama, a esperança nem sempre supera o medo, especialmente se um número suficiente de comentaristas destacados pode ser persuadido a ressaltar os custos e minimizar os benefícios em suas análises?

    Não faltaram novos sustos e novos bichos-papões para o Projeto Medo agitar no ar. O mantra de David Cameron de que "é claro que é uma questão a ser decidida pelos escoceses" foi desmentido pelas pedidos urgentes feitos na surdina a embaixadas e líderes estrangeiros para que fizessem intervenções úteis, sem falar nos donos de supermercado que de repente começaram a reunir-se em volta de sua mesa de trabalho.

    Questões vistas como complicadas, como a moeda e a segurança das aposentadorias e pensões, foram repisadas constantemente.

    No entanto, este resultado, que coloca o processo, se não o anseio pela independência, no segundo plano pelo futuro previsível, não nos deve fazer esquecer o sucesso extraordinário da campanha pelo "sim" em energizar, radicalizar, empoderar e atrair para votar setores enormes de eleitores escoceses antes apáticos.

    O comparecimento de eleitores às urnas, em quase todas as regiões de 80% ou até mais de 90%, fez da democracia participativa uma grande vencedora do processo.

    Tampouco deve ser subestimada a realização extraordinária de Alex Salmond e sua vice, Nicola Sturgeon, em conduzir a Escócia para a cúspide da independência, depois de apenas três anos como maioria no governo e outros quatro anteriores navegando nas águas turbulentas da administração minoritária.

    Mesmo quem se opõe amargamente a seu partido e tudo o que ele já fez admite que o gabinete do SNP é talentoso e que nenhum outro partido político atual na Escócia é capaz de levar tantos nomes de talento ao Parlamento escocês.

    Tivesse o resultado sido o contrário, especulou-se muito que alguns dos maiores nomes do trabalhismo escocês poderiam disputar uma vaga no Parlamento em Edimburgo, em lugar de Westminster, especialmente se o Partido Trabalhista perder a eleição de 2015 no Reino Unido.

    Jim Murphy, Douglas Alexander e até o próprio Gordon Brown foram mencionados nesse contexto. Agora, em vez disso, a pergunta será se os líderes partidários poderão cumprir as promessas e o cronograma de devolução de poderes à Escócia que fizeram na última hora da campanha, quando 750 votos postais já tinham sido distribuídos.

    Minha decepção pessoal é pela perda de uma oportunidade de provar que a Escócia é capaz de criar uma sociedade baseada na justiça social, em vez da desigualdade galopante -uma sociedade que poderia ter inspirado todos nossos amigos e colegas nas cidades e regiões inglesas fora do sudeste da Inglaterra.

    E sinto sobretudo por todas as pessoas, especialmente os jovens e os pobres, para quem a campanha do "sim" levou esperança e vibração genuínas. Como a vida, a política encerra lições difíceis. Mas, assim como na vida, sempre há novos começos.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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