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    Refugiado toma conta de jardim da casa do ex-presidente da Ucrânia

    THOMÁS S. SELISTRE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM KIEV

    20/09/2014 02h00

    Das cerca de 1 milhão de pessoas que migraram internamente na Ucrânia por motivos de segurança, a história de Boris Danichev, 51, destaca-se por um detalhe.

    Com a anexação da Crimeia pelos russos, na região do Mar Negro, Boris fugiu da cidade de Sebastopol com a família. Embora sem ter onde dormir inicialmente, de repente se viu abrigado dentro daquela que foi, até o início deste ano, residência do ex-presidente do país Viktor Yanukovich, em Novi Petrivitsi, ao norte de Kiev.

    No dia 22 de fevereiro de 2014, a falta de apoio popular obrigou Yanukovich a deixar o país às escondidas –conta-se, na capital, que levou consigo os seguranças, a amante e maletas com milhões de dólares.

    Uma semana depois, soldados russos desembarcaram na Crimeia, controlando edifícios públicos com apoio de grande parte da população, identificada historicamente com o país vizinho. Um referendo foi realizado pouco mais de 15 dias após a invasão, e, ainda que o resultado seja controverso, 97% dos eleitores legitimaram a anexação à Rússia.

    Boris Danichev é de origem tártara crimeana. É muçulmano sunita, razão pela qual temia ser perseguido por nacionalistas ortodoxos russos e pela qual decidiu se mudar para Kiev com esposa e filhos.

    Ao chegar na cidade, Boris encontrou ajuda na Euromaidan, conjunto de manifestações sociais que tiveram início durante o último inverno e chegou a reunir 800 mil pessoas na praça Independência da capital. "Vi um cartaz numa barraca que dizia 'SOS Crimeia'", conta. "Conversei com eles, e me ofereceram casa e trabalho".

    INVERNO

    Hoje, seus dois filhos maiores podem novamente frequentar a escola e, para ele, ao contrário de tantos outros deslocados internos, a aproximação do inverno já não causa preocupações.

    Boris recebe ajudas financeiras do governo e da Acnur (agência da ONU para refugiados) para famílias numerosas e trabalha como jardineiro na mesma propriedade, que tem ao todo 140 hectares.

    Atualmente administrada por participantes da Euromaidan, além de servir abrigo para os mais necessitados, a propriedade é parada de turistas interessados na história recente do país. Boris conta que não paga aluguel, mas que sonha um dia voltar a exercer sua antiga profissão, a carpintaria.

    Vive, é certo, em um alojamento na entrada do terreno. A mansão do ex-presidente virou museu. Entretanto, apesar do susto inicial, ele se sente privilegiado. "Li na imprensa que, na Crimeia, estão invadindo apartamentos de muçulmanos atrás de provas para incriminá-los. Em Kiev, porém, não noto nenhuma discriminação", afirma.

    "Aqui nunca tivemos problemas. Por lá, há anos que o nacionalismo alimenta discursos políticos, gerando ódio e afastando as pessoas."

    SITUAÇÃO VULNERÁVEL

    O caso de Boris, contudo, é uma exceção. Muitos deslocados não têm a mesma sorte e, apenas na capital, são aproximadamente 37 mil pessoas oficialmente registradas em situação de vulnerabilidade, incluindo crianças, mulheres grávidas e idosos.

    São pessoas, em sua maioria, que perderam suas casas, parentes, ou cujos maridos e filhos estão combatendo.

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