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    Caminhos da guerra do passado e do presente assombram Barack Obama

    PETER BAKER
    DO "NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

    23/09/2014 02h00

    Em 10 de setembro, poucas horas antes de anunciar uma ampliação da campanha contra os extremistas islâmicos, o presidente Barack Obama refletiu reservadamente sobre uma outra época em que um presidente cogitou uma ação militar no Oriente Médio.

    "Eu não estava aqui na preparação para o Iraque em 2003", disse ele a um grupo de visitantes na Casa Branca antes do seu discurso televisionado à nação, de acordo com várias pessoas que estavam na reunião. "Teria sido fascinante ver como aquele impulso se formou."

    Obama disse que, à sua maneira, viu algo semelhante -uma febre virtual tomando conta de Washington, pressionando-o a enviar forças militares no encalço dos radicais sunitas que dominaram parte do Iraque e decapitaram jornalistas americanos.

    Ele relatou ter recomendado a seus assessores que não avaliassem as suas próprias políticas com base nas pressões externas. Ele não teria pressa em ir à guerra. Agiria de forma conscienciosa. "Mas estou ciente de que pago um preço político por isso", disse ele.

    Sua introspecção refletia a jornada de Obama, do candidato que queria acabar com as guerras ao comandante-em-chefe que retomou e ampliou um conflito.

    Ao desenvolver um plano para destruir o Estado Islâmico (EI) no Iraque e na Síria usando o poderio aéreo e as forças locais, mas não tropas terrestres regulares dos EUA, Obama procurou maneiras de evitar os erros do passado.

    Sentia-se "perturbado", conforme disse aos visitantes, pelo fracasso de uma ação para resgatar os reféns americanos James Foley e Steven Sotloff -"Nós simplesmente os perdemos", afirmou.

    Mas o posterior assassinato deles não foi a verdadeira razão que o levou a optar pela guerra, embora ele tenha ressaltado que os terríveis vídeos mostrando as decapitações ajudaram a mobilizar o apoio popular à ação militar.

    Ele estava ciente de que a operação que estava prestes a iniciar não resolveria as principais questões da região. "Esse vai ser um problema para o próximo presidente", disse, com tristeza, "e provavelmente para o seguinte".

    Alternando entre a irritação e a determinação de retaliar o ditador Bashar al-Assad se as forças sírias atacarem aviões americanos, Obama ironizou os críticos.

    "Ah, é uma pena quando você tem um presidente pífio, hesitante e professoral, sem nenhuma política externa exceto a de 'não fazer coisas estúpidas'", disse ele sarcasticamente, imitando seus adversários, de acordo com o relato de alguns convidados. "Não peço desculpas por ser cuidadoso nessas áreas, mesmo que isso não se preste a um bom teatro."

    Este relato das observações de Obama em um contexto privado se baseia em entrevistas com dez pessoas que conversaram com ele nos dias que antecederam ao seu discurso de 10 de setembro.

    O presidente convidou um grupo de especialistas em política externa e ex-funcionários do governo para jantar no dia 8, e um grupo de colunistas e editores de revistas para uma conversa no dia 10.

    Embora três colunistas do "The New York Times" e um editorialista estivessem entre os convidados da segunda sessão, este relato tem como fontes pessoas não afiliadas ao "Times", sendo que algumas delas insistiram no anonimato, já que não deveriam compartilhar detalhes das conversas.

    O presidente descrito por essas fontes estava calmo e confiante, informado sobre as complexidades do desafio representado pelo EI. Alguns convidados disseram acreditar que ele ainda parecia ter dúvidas sobre o caminho que trilhava no Iraque e na Síria, enquanto outros diziam que ele parecia em paz.

    O vice-presidente Joe Biden e o secretário de Estado John Kerry se juntaram a ele para o jantar, ao passo que Denis McDonough, chefe de gabinete da Casa Branca, e Susan Rice, assessora de segurança nacional, estiveram com os jornalistas.

    Embora alguns críticos e até mesmo sua ex-secretária de Estado Hillary Clinton tenham recriminado Obama por não armar os rebeldes moderados sírios anos atrás, o presidente considerou que não havia como evitar a ascensão do EI.

    "Pensei muito nisso e tentei enxergar à luz do que sabemos agora", disse a alguns de seus convidados. "Estou perfeitamente disposto a admitir que eles estavam certos, mas, mesmo que estivessem, não vejo como isso mudaria a situação."

    Ele defendeu sua decisão de esperar até o mês passado para aprovar ataques aéreos no Iraque, e até o início deste mês no caso da Síria, dizendo que queria primeiro forçar o Iraque a substituir seu governo por uma coalizão mais abrangente capaz de atrair os sunitas descontentes, evitando que eles apoiassem o EI, e de assumir a tarefa de combater os extremistas.

    Mas, se Obama vê o amparo ao novo governo iraquiano como o caminho para o sucesso nesse lado da fronteira, ele deu a impressão a seus convidados de que não tem tanta certeza sobre o resultado final no lado sírio, onde já exigiu a renúncia de Assad e agora se vê na dependência dos mesmos rebeldes moderados sírios que no passado ele se recusou a armar.

    Obama admitiu que será uma longa campanha, complicada pela escassez de informações de inteligência sobre possíveis alvos no lado sírio da fronteira. "Isso não será um espetáculo pirotécnico sobre Bagdá", disse.

    Perguntado por um dos colunistas sobre o que faria se a sua estratégia não desse certo e ele precisasse intensificar a ação militar, Obama rejeitou a premissa. "Eu não vou antecipar o fracasso a esta altura", disse.

    Mas deixou claro que a situação é complexa, e que não descarta que Assad possa ordenar às suas forças que disparem contra aviões americanos no espaço aéreo sírio. Se ele se atrever a isso, disse Obama, a Casa Branca determinará às forças americanas que destruam o sistema sírio de defesa aérea.

    Obama falou detidamente sobre o assassinato dos jornalistas Foley e Sotloff, dizendo aos convidados que havia autorizado o Departamento de Defesa a desenvolver uma tentativa de resgate no mesmo dia em que o assunto foi trazido a ele. A operação foi conduzida em questão de dias, segundo ele.

    Mas o presidente disse que já havia se inclinado pela resposta militar antes de mortes dos americanos. Ele acrescentou que o EI cometeu um grande erro ao matá-los, porque a raiva causada pelo fato levou a opinião pública dos EUA a apoiar rapidamente a ação militar.

    Se fosse um "assessor do EI", acrescentou Obama, ele, em vez de matar os reféns, os teria soltado com um bilhete no peito dizendo: "Fiquem longe daqui; isto não é da sua conta". Isso, especula ele, poderia ter reduzido o apoio a uma intervenção militar. Ficou claro para os convidados como Obama estava ciente das críticas sobre sua suposta falta de liderança.

    A certa altura, o presidente observou acidamente que Ronald Reagan enviou marines ao Líbano e, por causa do péssimo planejamento, centenas deles foram mortos em um atentado, com o que logo retirou os soldados restantes, deixando para trás uma guerra que durou anos. Mas Reagan, observou Obama, é aclamado como um titã.

    "Ele [Obama] não é um molenga", disse Zbigniew Brzezinski, que foi assessor de segurança nacional do presidente Jimmy Carter e participou do jantar de 8 de setembro.

    "Acho que parte do problema no caso de alguns de seus críticos é que eles o consideram um molenga. Ele não é um molenga. É uma pessoa que tenta pensar por meio desses fatos, para que você possa tirar algumas conclusões de longo prazo."

    Tradução de RODRIGO LEITE

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