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    Medo da violência faz fluxo de emigração crescer na Venezuela

    SAMY ADGHIRNI
    DE CARACAS

    06/10/2014 02h00

    O dentista Samuel Parazon, 25, cansa só de lembrar quantas vezes foi assaltado. Em julho, bandidos invadiram o prédio onde trabalha e quase entraram no seu consultório. "Naquele dia, decidi sair da Venezuela", diz Parazon, que embarcou neste domingo (5) para o Panamá.

    Parazon aderiu ao crescente fluxo de venezuelanos rumo ao exterior em busca de segurança econômica e política.

    De 2000 a 2010, meio milhão de pessoas emigraram da Venezuela, segundo o Banco Mundial –Caracas não divulga dados sobre o tema.

    O número de residentes no exterior é hoje de 800 mil, estima a demógrafa Anitza Freitez, da Universidade Católica Andrés Bello. Outros especialistas falam em até 1,6 milhão de expatriados. A Venezuela tem população de 29 milhões.

    O principal destino são os EUA, onde o número de venezuelanos foi de 91 mil em 2000 para 215 mil em 2009, segundo dados americanos. Na Espanha, diz o governo, o número passou de 7.000 em 1999 para 45 mil em 2013.

    É uma reviravolta para a Venezuela, tradicionalmente receptora de estrangeiros.

    Era mínimo o fluxo de saída, apesar de crises e períodos ditatoriais. "Havia mobilidade social, projetos de infraestrutura e espaço para todo tipo de profissional. Tínhamos razões para ficar", diz o sociólogo Tomas Páez, que está escrevendo um livro sobre venezuelanos no exterior.

    FUGA DE CÉREBROS

    A emigração começou a aumentar com a chegada à presidência, em 1999, de Hugo Chávez e sua revolução pela redistribuição de renda.

    Graças aos altos preços do petróleo na metade dos anos 2000, Chávez cumpriu a promessa de reduzir a pobreza extrema e trazer crescimento –o PIB saltou 17% em 2004.

    Mas a melhora da economia, mantida até 2009, não estancou a violência –principal fator de saída, segundo acadêmicos e emigrados.

    A taxa de homicídios pré-Chávez era de 19 para cada 100 mil habitantes, segundo ONGs. No ano passado, foi quase cinco vezes maior.

    Outro fator de saída é a polarização entre simpatizantes e opositores do governo.

    A classe média se sente perseguida por pressão ideológica e políticas chavistas, como expropriações, controle de câmbio e aparelhamento das estatais. Em 2003, Chávez demitiu 18 mil funcionários da petroleira PDVSA que protestavam contra a gestão socialista. Boa parte eram engenheiros que levaram sua expertise a outros países.

    Até hoje, a emigração venezuelana se caracteriza como fuga de cérebros. Cerca de metade dos venezuelanos nos EUA tem formação universitária, diz estudo publicado em 2011 pela OCDE, que reúne 34 países desenvolvidos.

    A taxa é superior à de qualquer outra comunidade latina instalada nos EUA. "A emigração venezuelana é majoritariamente composta por gente capacitada que quer emigrar de maneira legal", diz Esther Bermudez, do site mequieroir.com, que auxilia nos trâmites de viagem.

    MÉDICOS

    Um dos setores mais afetados é a medicina. Só o Hospital de Clínicas de Caracas perdeu cinco especialistas nas últimas semanas. "Um deles era especializado em transplante de córnea. Como substituí-lo?", diz Amadeo Leyba, chefe do hospital.

    O presidente Nicolás Maduro admitiu o problema. Mas governistas chamam emigrados de traidores da pátria e dizem que se a situação fosse tão ruim não haveria tantos estrangeiros no país.

    A socióloga Freitez rebate essa tese e diz que a presença de estrangeiros, que se manteve em 1 milhão desde 2001, é feita de refugiados da Colômbia e de cubanos e chineses a serviço do governo venezuelano. "Não vieram por opção", diz.

    Resumindo o sentimento dos que se foram, um advogado na Espanha diz não ter planos de retorno. "Não creio no futuro do meu país."

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