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    Depoimento: Paranoia com ebola começa a afetar aeroportos dos EUA

    RODRIGO SALEM
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE LOS ANGELES

    13/10/2014 12h02

    O clima de paranoia em relação ao ebola já chegou à aviação norte-americana. Na manhã de domingo (12), embarquei do aeroporto JFK, em Nova York, no voo United 703, em direção a Los Angeles.

    Por volta das 16h30, horário de Brasília, a aeromoça começou a perguntar se havia algum médico a bordo. Em seguida, o banheiro traseiro da aeronave foi trancado — "problemas técnicos".

    Chegamos ao LAX antes do horário previsto, às 14h (18h no Brasil). Não parecia haver nada de anormal no voo, mas, ao nos aproximarmos do terminal doméstico da United, notei cinco carros de bombeiros e duas ambulâncias indo em nossa direção. Algo estava errado.

    Foi quando a confusão começou. Fomos avisados que havia uma emergência médica e que não poderíamos sair do avião enquanto "os agentes" não "falassem o procedimento adequado". Meia hora depois, o piloto nos avisou que precisaria levar o avião para o desembarque internacional. Uma hora depois, para um hangar.

    Mark Ralston/AFP
    Um funcionário do aeroporto de Los Angeles usa máscara de proteção no rosto
    Um funcionário do aeroporto de Los Angeles usa máscara de proteção no rosto

    Não era um hangar, mas um pequeno terminal isolado do LAX, onde bombeiros, policiais, ambulâncias e carros de outras agências nos esperavam. O piloto finalmente avisou "que um dos passageiros teve contato com alguém da África".

    Em nenhum momento a palavra ebola foi pronunciada. Mas não é preciso ver muito filme americano para saber que estávamos em um avião com um suspeito. E muito menos para entender a vaga geografia dos oficiais no comando.

    Entre a descoberta da suspeita e nossa chegada ao terminal de emergência, foram cerca de quatro horas. Mas parecia que ninguém sabia o que fazer, discutindo o curso da ação naquele momento — ficamos mais duas parados.

    O despreparo das autoridades ficou mais evidente quando o piloto anunciou: "Parece que há uma briga entre as agências governamentais para saber quem lida com a situação."

    Pronto, eu estava em um thriller B de Hollywood. Quando as autoridades finalmente decidiram quem mandava mais, aeromoças com pequenas máscaras na face, em vez de mascarados entrando no avião, retiraram uma garota oriental do fundo do avião, que havia passado mal durante o voo.

    Meia hora após levar a passageira, o piloto anunciou que tudo não passava de uma "precaução", que todo mundo estava liberado sem problemas e que haveria "acompanhamento psicológico" para quem desejasse.

    O avião inteiro gargalhou. Não sei se foi com a oferta inusitada ou com o alívio do final feliz.

    A garota que havia passado mal esteve sim na África, mas na África do Sul, país que não registrou casos de ebola.

    Fui pegar uma van grátis para um hotel da região. No meio do caminho, um casal jovem com um bebê no colo começou a conversar sobre a experiência comigo e um casal de idosos.

    Do outro lado do micro-ônibus, um senhor ouviu a conversa e começou a berrar: "Jesus, estamos todos fod**os!" A mãe que segurava o neném tentou explicar que havia sido um alarme falso, mas o sujeito ficou descontrolado. "Sempre é alarme falso! É assim que essas coisas se espalham!", rebatia.

    Por sorte, o hotel era apenas a três minutos do aeroporto. Mas todos saíram do ônibus mais nervosos com a reação do homem do que após o desembarque do avião. Medo, pelo visto, se espalha mais fácil que o ebola.

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