• Mundo

    Sunday, 12-May-2024 13:54:58 -03

    É preciso manter confiança para evitar histeria com ebola, dizem psicólogos

    BENEDICT CAREY
    DO "NEW YORK TIMES"

    16/10/2014 12h20

    Enquanto autoridades de saúde se desdobram para explicar como duas enfermeiras de Dallas puderam ser contagiadas pelo ebola, psicólogos estão cada vez mais preocupados com outro tipo de contágio cujos sintomas abrangem ansiedade elevada, evitar locais públicos e até mesmo histeria.

    Até agora os setores de emergência de hospitais não se encheram de pessoas receosas de terem contraído o vírus do ebola.

    Ninguém está se escondendo no porão e armazenando comida em casa.

    Mas não há dúvida de que os acontecimentos da última semana geraram preocupação crescente no público, especialmente o fato de Thomas R. Frieden, o diretor dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), ter admitido que a reação inicial ao primeiro caso de ebola diagnosticado nos Estados Unidos foi inadequada.

    Na quarta-feira o CDC divulgou outra má notícia, anunciando que uma segunda enfermeira de Dallas infectada com o ebola fez uma viagem aérea de ida e volta a Cleveland um dia antes de apresentar sintomas.

    Antes mesmo do anúncio, dois terços dos entrevistados numa pesquisa "Washington Post"/ABC News tinham dito estar preocupados com a possibilidade de uma epidemia grande de ebola no país.

    Erik S. Lesser/Efe
    Estudantes vestidos com roupa de proteção participam de treinamento nos EUA
    Estudantes vestidos com roupa de proteção participam de treinamento nos EUA

    Especialistas no estudo da psicologia pública dizem que as próximas semanas serão cruciais para conter a ansiedade crescente.

    "As autoridades terão que tomar muito cuidado", opinou Paul Slovic, presidente da Decision Research, organização sem fins lucrativos que estuda a saúde pública e as percepções de riscos.

    "Uma vez que a confiança começa a ser erodida, na próxima vez em que lhe disserem para não se preocupar, você vai se preocupar."

    O risco de contrair ebola nos Estados Unidos ainda é ínfimo. O vírus não é transmitido pelo ar, como é o caso do sarampo ou do vírus da Sars (Síndrome Respiratória Aguda Grave).

    Para que a transmissão ocorra, é preciso ter contato de perto com um paciente. Apenas uma morte de ebola ocorreu nos EUA, e o sistema de saúde americano está a anos-luz do que existe na África ocidental, onde mais de 4.400 pessoas já morreram no surto mais recente.

    A título de comparação, em alguns anos a gripe mata mais de 30 mil pessoas nos Estados Unidos. Mas esse fato provoca pouca ansiedade; milhões de pessoas que poderiam beneficiar-se da vacina antigripe não a tomam.

    "Estamos familiarizados com a gripe. Já tivemos gripe e melhoramos. Ela é uma ameaça que conhecemos", explicou Slovic.

    Especialistas dizem que o precedente mais recente do risco de ebola, psicologicamente falando, foi o pavor do antraz após os ataques de 11 de setembro de 2001.

    Nas semanas depois de um agressor desconhecido enviar envelopes letais contendo esporos de antraz a autoridades públicas, a ansiedade tomou conta de pessoas em todo o país.

    Os psicólogos sabem há anos que as pessoas avaliam riscos com base num equilíbrio complexo de emoção e dedução. Com frequência a emoção pesa mais que a dedução.

    As reações instintivas são rápidas e automáticas, sendo úteis em momentos em que os fatos não são conhecidos ou não há tempo suficiente para processar o pouco que é conhecido.

    O raciocínio analítico leva muito mais tempo e é mais difícil; se dependêssemos apenas da análise, as decisões sobre riscos nos deixariam paralisados.

    No dia a dia das pessoas, a mente utiliza dois métodos para avaliar riscos. As pesquisas sobre esse processo, algumas delas do Prêmio Nobel Daniel Kahneman e seu parceiro de pesquisas Amos Tversky, revelam que vieses instintivos podem modificar a avaliação de riscos feitos pelas pessoas ao tomar muitas decisões supostamente racionais, desde como investir dinheiro até o preparo para desastres.

    Por exemplo, a maioria das pessoas entende que uma chance de contaminação de uma em 100 milhões é quase zero.

    Mas, se um amigo disser que conhece uma pessoa contaminada, nosso sistema instintivo de avaliação de riscos terá muito mais chances de focar o numerador, em lugar do denominador. Será que eu sou aquela uma pessoa em 100 milhões?

    "O sistema muitas vezes vai de um extremo a outro, passando de ignorar os riscos por completo a apresentar reações exageradas", disse George Loewenstein, professor de economia e psicologia na Universidade Carnegie Mellon.

    Especialistas notam que o surto de ebola tem muitos elementos que podem alimentar o pânico instintivo rapidamente.

    O vírus é invisível e letal, fato que é comunicado explicitamente em imagens e vídeos que chegam constantemente da África. Como a Sars, e, mais recentemente, a Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) e a gripe aviária, é uma ameaça estranha e exótica, e há pouco que as pessoas possam fazer pessoalmente para contê-la.

    Esses fatores são precisamente os que têm probabilidade maior de causar ansiedade contagiosa, descobriram pesquisadores.

    Some-se a isso o fato de a morte por ebola ser tão grotesca, e as pessoas se apavoram rapidamente.

    "É a mesma razão pela qual temos tanto medo de acidentes aéreos: não conseguimos imaginar como poderão ser aqueles últimos momentos", disse Lowenstein.

    Tradução de CLARA ALLAIN

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024